Quando eu tinha cinco
anos meus pais se separaram. Nós morávamos com meus avós maternos. Depois da
separação, minha mãe foi morar em outra cidade, com o novo marido, mas meu pai
continuou conosco, na casa dos meus avós, para ajudar a cuidar de mim e de
minha irmã, pois meus avós trabalhavam. Meu pai, eu e minha irmã dormíamos no
mesmo quarto. Ele na rede, e nós na cama. Até aí tudo bem. Mas quando eu tinha
8 anos ele começou a abusar sexualmente de mim.
No começo eram apenas
toques e carícias incomuns. Depois vieram beijos forçados e estupros. Naquela
época eu que não tinha a menor noção de que aquilo era abuso sexual. Na hora dos abusos, ele pegava minha irmã, já
sonolenta, e colocava na rede. Ela não tinha percebia o que estava acontecendo,
seja em razão do sono, seja em razão da idade, pois tinha apenas seis
anos. Eu chorava, mas ele abafava o som
do meu choro colocando um pano na minha boca. Nunca esqueço da frase que sempre
usava: “não chora filha, papai não quer te machucar. Só estamos brincando”.
Meu sofrimento era
grande, mas eu não podia desabafar com ninguém pois ele me ameaça de morte, e
dizia que iria fazer a mesma coisa com minha irmã. Eu tinha muito medo. Eu não queria que minha
irmã passasse pelo que eu estava passando.
Quando eu tinha doze anos
assisti a uma palestra na escola tratando do assunto. Foi quando tive a certeza
que o meu sofrimento tinha nome. Procurei minha professora e contei o que
estava acontecendo. Ela falou para outra professora, e começaram os
procedimentos. O caso foi levado ao conselho tutelar. Foram tomados os
depoimentos e o processo está andando, a passo de tartaruga, como outros
processos dessa natureza. O processo de meu abusador se arrasta há seis
anos. Ele nunca foi preso. Já teve
audiência, ouviram as testemunhas, mas não teve o primeiro julgamento. Sempre procuro saber do andamento do
processo, mas o pessoal da justiça não dá muitas informações. No começo eu não
estava acreditando muito, mas como apareceu outra vítima, agora acredito que um
dia será feito justiça.
Depois que o caso foi
revelado, ele saiu de casa. Cessaram-se os abusos, mas o sofrimento
psicológico aumentou. Aumentaram as ameaças de morte. Ele passou a rondar minha
escola. Mas não ficou apenas nas ameaças. Ele tentou me matar algumas vezes.
Foi difícil e continua
sendo. Tive todo o apoio da escola, e do Conselho Tutelar, mas não tive apoio
da família. O único apoio familiar que tive foi do meu avô. Ele continua me
apoiando. Meus tios não falam muito sobre o assunto. Entretanto, o que mais me dói é a falta de apoio da
minha mãe. Mesmo sabendo que meu pai era violento, pois esse foi um dos motivos
da separação, ela ficou do lado dele. Continuou sua vida lá no outro município.
Nem ao menos se deu ao trabalho de ir me ver. Ao contrário, chegou a me ligar
para dizer que se ele fosse preso e fizessem algo com ele na cadeia a culpa
seria toda minha.
Ainda hoje me pego
chorando, quando lembro do ocorrido. Sei que os traumas nunca vão passar. O tempo ameniza a dor, mas a tristeza nunca
vai embora. Durante muito tempo não conseguia ficar perto de pessoas do sexo
masculino. Hoje já consigo ter amigos homens, mas não consigo ter relacionamentos
afetivos. Já tentei. Cheguei a ter um namorado, mas não durou muito. Os traumas
atrapalharam nosso relacionamento. Depois dessa experiência frustrada, não
procurei me relacionar afetivamente com mais ninguém.
Depoimento de uma jovem de 19 anos.
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