quarta-feira, 30 de setembro de 2020

TRABALHO INFANTIL: REALIDADE CRUEL E PERSISTENTE

por Ana Maria Villa Real*

Há muito desconhecimento e incompreensão por parte da sociedade em relação às consequências perversas do trabalho infantil tanto para as vítimas quanto para a concretização do ideal constitucional de sociedade menos desigual e mais justa. E isso vem mantendo o Brasil no mapa dos países que ainda convivem com essa ferida social, reconhecida internacionalmente como uma das piores formas de exploração do trabalho humano.


O problema se agrava quando assistimos à apologia ao trabalho infantil advinda de autoridades públicas que têm o dever de combatê-lo. O mais lamentável: mediante a adoção de discurso simplista que apenas contribui para a desinformação e nos distancia da tão necessária erradicação dessa grave violação de direitos humanos.


É preciso lembrar que a Constituição Federal estabelece ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227 da CF).


O Brasil é também signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada em 1990. O texto reconhece, já no preâmbulo, que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família em um ambiente de felicidade, amor e compreensão, e ser educada de acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas.


Mesmo havendo permissão legal, em caráter excepcional, para o trabalho protegido de adolescentes (art. 7º, XXXIII, da CF), o certo é que crianças e adolescentes são titulares do direito fundamental ao não trabalho, para que possam ter desenvolvimento integral, pleno e sadio, no qual se inclui a conclusão do ensino obrigatório que, no Brasil, vai até os 17 anos.


Infelizmente, esses direitos proclamados na Constituição Federal e em diversas convenções internacionais subscritas pelo Estado brasileiro ainda são privilégios de crianças e adolescentes integrantes de famílias de classes média ou rica.


O fundamento mais recorrente utilizado pelos defensores do trabalho infantil é de que o não trabalho é “luxo” diante da realidade socioeconômica brasileira, que castiga fortemente famílias de baixa renda. Permiti-lo seria forma de contribuir para o incremento da renda familiar e de evitar o ócio, as drogas e o ingresso no mundo do crime. É como se não pudesse haver outro caminho para os filhos de famílias pretas, pobres e de periferias.


Isso escancara o fato de que trabalho infantil no Brasil tem cor e classe social, retrato de um país ainda adoecido pelo racismo que preserva a estrutura de hierarquia social. Daí a razão da tolerância de parte da sociedade com o trabalho de crianças e adolescentes.


O discurso de que o trabalho infantil é bom, enobrece e não mata é falacioso, simplista e apelativo. Reforça a exclusão social, perpetuando o ciclo de pobreza, mascara problemas não enfrentados pelo Estado, como o da desigualdade social estrutural, o da má qualidade da educação e o da desestruturação das políticas públicas de promoção de direitos e de proteção social, além de evidenciar inaceitável retrocesso no campo dos direitos humanos, que conduz ao estado de barbárie, de opressão e de violência contra crianças e adolescentes.


Lugar de criança e de adolescente é na escola. Cabe ao Estado cumprir o seu dever. Em assunto sério como esse, que diz respeito à vida e à dignidade de pessoas, não há espaço para demagogias nem para a exacerbação de preconceitos. Todas as infâncias importam.


Reprodução de artigo publicado no Correio Brasiliense.

*A autora é Procuradora do Trabalho no DF e coordenadora nacional da Coordinfância/MPT. 



terça-feira, 29 de setembro de 2020

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE EM CORDEL

COMDICA PROMOVE CURSO GRATUITO EM COMEMORAÇÃO AOS 30 ANOS DO ECA

O Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Fortaleza (COMDICA), está com inscrições abertas para o curso gratuito  "30 anos do ECA: avanços e desafios para a infância no Brasil”. O Curso está sendo realizado pela Plataforma Microsoft Teams, de 22 de setembro até 26 de novembro de 2020, às terças e quintas feiras, de 14h às 16h, totalizando 40 horas/aula. Terá direito a certificado de participação somente quem cumprir a carga horária mínima de 75% do curso.  

Profissionais da Rede do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGD), Organizações da Sociedade Civil (OSCs), Organizações Governamentais (OGs), Estudantes e Sociedade Civil em geral.

 

Especialistas convidados farão uma contextualização de diversas áreas que permeiam a infância e a adolescência: histórico do ECA, Conselhos de Direitos, Primeira Infância, Gravidez na Adolescência, Uso de Tecnologias, Políticas de Saúde Mental, Enfrentamento ao Abuso e a Exploração Sexual, Trabalho Infantil, Abandono Escolar, Tráfico de Crianças, Crianças em Situação de Rua, Medidas Socioeducativas, dentre outras temáticas que serão tratadas.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

30 ANOS DA RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA (CDC)

Nesta quinta-feira, 24 de setembro, comemoramos os 30 anos da ratificação, pelo Brasil, da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20.11.1989 e ratificada pelo Brasil em 24.09.1990. Importante destacar que a Convenção somente entrou em vigor no Brasil no dia 23.10.1990, ou seja, no trigésimo dia de sua ratificação, conforme previsto no artigo 49, inciso 2, da mesma Convenção. A promulgação da Convenção, por sua vez, somente se deu em 21.11.1990, através do Decreto nº 99.710.


 

Ratificada por 196 países, a Convenção sobre os direitos da criança é o instrumento normativo internacional mais aceito no mundo. Ela prevê a garantia de todos os direitos da criança, independentemente de raça, cor, sexo, religião, opinião política, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiência física, nascimento ou qualquer outra condição da criança. Destacamos, abaixo, alguns princípios estabelecidos pela Convenção:

  • Direito à sobrevivência e ao desenvolvimento – acesso à direitos básicos como saúde, e educação
  • Direito ao descanso, lazer e cultura;
  • Direito à proteção contra a violência – negligência, violência psicológica, física e sexual, e outras formas de exploração, como o trabalho infantil;
  • Direito à liberdade de pensamento, de consciência e de crença religiosa;
  • Direito a informação

 

Temos muitas conquistas para comemorar, nesses 30 anos de ratificação da Convenção. Por outro lado, ainda precisamos enfrentar muitos desafios, antigos e novos, para garantir todos os direitos a todos e para cada criança e cada adolescente.

Uma das conquistas mais citadas pelos estudiosos do tema é a redução da mortalidade infantil (até 1 ano). Entre 1996 e 2017, a Brasil evitou a morte de cerca de 827 mil bebês, segundo relatório do Unicef. Entretanto, no mesmo período, a violência armada e os homicídios tiraram a vida de 191 mil meninas e meninos de 10 a 19 anos, representando um grande aumento do problema, segundo o mesmo relatório.


No Brasil, a Convenção inspirou o Artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. Influenciado por esses três marcos legais, o País criou um dos sistema de garantia de direitos mais avançados do mundo, fundado no princípio da proteção integral à criança e ao adolescente.


A família, a sociedade e o estado devem assegurar a crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, a fruição de seus direitos fundamentais, e colocá-los a salvo de quaisquer violações desses direitos. Nesse sentido dispõe o art. 227 da Constituição Federal. Na mesma linha dispõem os artigos 4º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Aliás, o artigo 5º do ECA foi além, ao prevê que a punição não apenas por ação, mas também por omissão, diante da violação dos direitos da criança e do adolescente.

 

Trabalho Infantil

 

O trabalho infantil é uma violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. É uma prática proibida pela Constituição Federal, pelas leis ordinárias e as convenções internacionais da qual o Brasil é signatário.

A Convenção sobre o Direitos da Criança prevê, em seu artigo 32, item I, que “os Estados Partes reconhecem o direito da criança de ser protegida contra a exploração econômica e contra a realização de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja prejudicial para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social”.

 

O item 2 do art. 32 da Convenção sobre os Direitos da Criança, por sua vez, estabelece que “os Estados Partes devem adotar medidas legislativas, sociais e educacionais para assegurar a aplicação deste artigo. Para tanto, e levando em consideração os dispositivos pertinentes de outros instrumentos internacionais, os Estados Partes devem, em particular: - estabelecer uma idade mínima ou idades mínimas para a admissão no trabalho; - estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições de trabalho; - estabelecer penalidades ou outras sanções apropriadas para assegurar o cumprimento efetivo deste artigo.

 

Em consonância com os dispositivos acima, a Constituição Federal, em seu Art. 7º, XXXIII, estabelece que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:  “a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;”.  No mesmo sentido são as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 60) e da Consolidação das Leis do Trabalho (art. 403).


O art. 227 da Constituição de Federal, por sua vez, prevê que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

 

Lutar contra o trabalho infantil e demais formas de violação dos direitos da criança e do adolescente é dever de todos: família, comunidade, sociedade,  poder público. Nesse sentido estabelece o art. 5º do ECA que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.


O artigo 1º da Convenção 138 da OIT, da qual o Brasil é signatário, estabelece que “Todo Membro, para o qual vigore a presente Convenção, compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a abolição efetiva do trabalho de crianças e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão ao emprego ou ao trabalho a um nível que torne possível aos menores o seu desenvolvimento físico e mental mais completo”. 

 

A Convenção 182 da OIT estabelece, entre seus considerandos “que a efetiva eliminação das piores formas de trabalho infantil requer ação imediata e global, que leve em conta a importância da educação fundamental e gratuita e a necessidade de retirar a criança de todos esses trabalhos, promover sua reabilitação e integração social e, ao mesmo tempo, atender as necessidades de suas famílias”.  No Brasil, o Decreto 6.481/2008, aprovou a Lista Piores Formas Trabalho Infantil, em cumprimento ao que estabelece o artigo 3º da Convenção 182.

 

Exploração Sexual

A exploração sexual é uma das mais graves violações dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, e constitui uma das Piores Formas de Trabalho Infantil, de acordo com a Convenção 182, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1999, ratificada pelo Brasil, no ano seguinte.  De forma direta, a exploração sexual viola os direitos à dignidade, ao respeito e à liberdade. De informa indireta, viola ou dificulta a fruição dos demais direitos fundamentais, além de ser uma das formas de exploração e violência que geralmente ocorrem num contexto de negligência, discriminação, crueldade e opressão. Portanto, todos os termos do art. 227 da CF  e dos arts. 4º e 5º do ECA, aplicam-se, direta ou indiretamente, ao tema aqui tratado.

 

A legislação internacional, vigente no Brasil, também prevê a adoção de medidas para prevenir e combater a exploração sexual de crianças e adolescentes. Destacamos, aqui, os artigos 19 e 34 da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, cujos tratam diretamente da matéria

 

No artigo 19, a Convenção prevê, como obrigação dos países membros, a adoção de medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais adequadas para a proteção de crianças e adolescentes contra todas as formas de violência física ou mental, abusou tratamento negligente, maus tratos ou explora, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob os cuidados dos pais, representante legal ou qualquer outra pessoa responsável por ela.

O artigo 34 estabelece o compromisso dos Estados Partes para proteção da criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir:

a) o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal;

b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais;

c) a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos.

O artigo 3º do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre a Venda de Crianças, a Prostituição Infantil e a Pornografia Infantil, ratificado pelo Brasil em 27 de janeiro de 2004, estabelece que os países membros deverão incluir a exploração sexual contra crianças e adolescentes no seu direito penal ou criminal, penalizando estas infrações com penas adequadas que levem em conta a sua grave natureza. Dentre os atos de violência previsto no referido Protocolo estão:

 

a)   a oferta, entrega ou aceitação de crianças e adolescentes, por qualquer meio, para fins de exploração sexual;

b)   a produção, distribuição, difusão, importação, exportação, oferta, venda ou posse para fins de pornografia infantil

 

Após a ratificação do Protocolo Facultativo, acima mencionado, o Brasil alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, para contemplar as diretrizes do referido instrumento normativo internacional. Nesse sentido, a Lei nº 11.829, de 25 de novembro de 2008, alterou o ECA (Lei nº 8.069/1990), para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet.

 

Tráfico de crianças e adolescentes para fins de exploração sexual.

 

O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual ocorre quando alguém agencia, alicia, recruta, transporta, transfere, compra, aloja ou acolhe pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de exploração sexual (art. 149-A do Código Penal).

 

O crime de tráfico pode acorrer, também, para fins de remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo; submissão  a trabalho em condições análogas à de escravo; submissão a qualquer tipo de servidão; e, adoção ilegal.

 

A pena para esse tipo de crime é de reclusão, de 4 a 8 anos, e multa. Se o crime for cometido contra criança ou adolescente, a pena é aumentada de um terço até a metade. Também gera o aumento da pena (de um terço até a metade), se a vítima for retirada no território nacional.

 

De acordo com a legislação brasileira, o tráfico de crianças e adolescentes pode ser interno ou internacional. O tráfico interno ocorre quando crianças ou adolescentes são traficados dentro do território brasileiro, de um município para outro ou de um estado para outro; já o tráfico internacional acontece crianças ou adolescentes são traficados para outro país.

 

A Lei nº 13.344, de 6.10.2016, dispõe sobre a prevenção e a repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas. Também alterou o Código Penal e Código de Processo Penal, para se adequar ao Protocolo das Nações Unidas sobre Tráfico de Pessoas.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

DIA INTERNACIONAL CONTRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL E O TRÁFICO DE MULHERES E CRIANÇAS

Hoje, 23 de setembro, é o Dia Internacional Contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças. A data foi estabelecida com o objetivo de sensibilizar e mobilizar a sociedade para as ações de prevenção e combate  a essa grave violação de direitos, que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), no Brasil, o tráfico de pessoas atinge cerca de 2,5 milhões de vítimas e obtém lucro médio de 32 bilhões de dólares por ano. Ao todo, 85% desse total advêm de exploração sexual.


 

De acordo com o Relatório do Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (Unodc), em 2014, as autoridades brasileiras denunciaram 44 vítimas de tráfico para fins de exploração sexual, 26 mulheres adultas e 18 crianças. Em 2015, as autoridades denunciaram 101 vítimas traficadas para o mesmo fim, 51 mulheres adultas e 50 crianças. Para o mesmo fim, em 2016, as autoridades denunciaram 75 vítimas, 33 mulheres adultas e 42 crianças.

 

 

O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual ocorre quando alguém agencia, alicia, recruta, transporta, transfere, compra, aloja ou acolhe pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de exploração sexual (art. 149-A do Código Penal).


O crime de tráfico pode acorrer, também, para fins de remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo; submissão  a trabalho em condições análogas à de escravo; submissão a qualquer tipo de servidão; e, adoção ilegal.


A pena para esse tipo de crime é de reclusão, de 4 a 8 anos, e multa. Se o crime for cometido contra criança ou adolescente, a pena é aumentada de um terço até a metade. Também gera o aumento da pena (de um terço até a metade), se a vítima for retirada no território nacional.


De acordo com a legislação brasileira, o tráfico de crianças e adolescentes pode ser interno ou internacional. O tráfico interno ocorre quando crianças ou adolescentes são traficados dentro do território brasileiro, de um município para outro ou de um estado para outro; já o tráfico internacional acontece crianças ou adolescentes são traficados para outro país.


A Lei nº 13.344, de 6.10.2016, abaixo transcrita, dispõe sobre a prevenção e a repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas. Também  alterou o Código Penal e Código de Processo Penal, para se adequar ao Protocolo das Nações Unidas sobre Tráfico de Pessoas.


LEI Nº 13.344, DE 6 DE OUTUBRO DE 2016. 



Dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas; altera a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).


O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tráfico de pessoas cometido no território nacional contra vítima brasileira ou estrangeira e no exterior contra vítima brasileira. 

Parágrafo único. O enfrentamento ao tráfico de pessoas compreende a prevenção e a repressão desse delito, bem como a atenção às suas vítimas.


CAPÍTULO I 

DOS PRINCÍPIOS E DAS DIRETRIZES 


Art. 2º O enfrentamento ao tráfico de pessoas atenderá aos seguintes princípios: 

I - respeito à dignidade da pessoa humana; 

II - promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos; 

III - universalidade, indivisibilidade e interdependência; 

IV - não discriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, atuação profissional, raça, religião, faixa etária, situação migratória ou outro status ; 

V - transversalidade das dimensões de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, raça e faixa etária nas políticas públicas; 

VI - atenção integral às vítimas diretas e indiretas, independentemente de nacionalidade e de colaboração em investigações ou processos judiciais; 

VII - proteção integral da criança e do adolescente. 


Art. 3º O enfrentamento ao tráfico de pessoas atenderá às seguintes diretrizes: 

I - fortalecimento do pacto federativo, por meio da atuação conjunta e articulada das esferas de governo no âmbito das respectivas competências; 

II - articulação com organizações governamentais e não governamentais nacionais e estrangeiras; 

III - incentivo à participação da sociedade em instâncias de controle social e das entidades de classe ou profissionais na discussão das políticas sobre tráfico de pessoas; 

IV - estruturação da rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas, envolvendo todas as esferas de governo e organizações da sociedade civil; 

V - fortalecimento da atuação em áreas ou regiões de maior incidência do delito, como as de fronteira, portos, aeroportos, rodovias e estações rodoviárias e ferroviárias; 

VI - estímulo à cooperação internacional; 

VII - incentivo à realização de estudos e pesquisas e ao seu compartilhamento; 

VIII - preservação do sigilo dos procedimentos administrativos e judiciais, nos termos da lei; 

IX - gestão integrada para coordenação da política e dos planos nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas.


CAPÍTULO II 

DA PREVENÇÃO AO TRÁFICO DE PESSOAS


Art. 4º A prevenção ao tráfico de pessoas dar-se-á por meio: 

I - da implementação de medidas intersetoriais e integradas nas áreas de saúde, educação, trabalho, segurança pública, justiça, turismo, assistência social, desenvolvimento rural, esportes, comunicação, cultura e direitos humanos; 

II - de campanhas socioeducativas e de conscientização, considerando as diferentes realidades e linguagens; 

III - de incentivo à mobilização e à participação da sociedade civil; e 

IV - de incentivo a projetos de prevenção ao tráfico de pessoas.


CAPÍTULO III 

DA REPRESSÃO AO TRÁFICO DE PESSOAS


Art. 5º A repressão ao tráfico de pessoas dar-se-á por meio: 

I - da cooperação entre órgãos do sistema de justiça e segurança, nacionais e estrangeiros; 

II - da integração de políticas e ações de repressão aos crimes correlatos e da responsabilização dos seus autores; 

III - da formação de equipes conjuntas de investigação.


CAPÍTULO IV 

DA PROTEÇÃO E DA ASSISTÊNCIA ÀS VÍTIMAS


Art. 6º A proteção e o atendimento à vítima direta ou indireta do tráfico de pessoas compreendem: 

I - assistência jurídica, social, de trabalho e emprego e de saúde; 

II - acolhimento e abrigo provisório; 

III - atenção às suas necessidades específicas, especialmente em relação a questões de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, nacionalidade, raça, religião, faixa etária, situação migratória, atuação profissional, diversidade cultural, linguagem, laços sociais e familiares ou outro status;

IV - preservação da intimidade e da identidade; 

V - prevenção à revitimização no atendimento e nos procedimentos investigatórios e judiciais; 

VI - atendimento humanizado; 

VII - informação sobre procedimentos administrativos e judiciais. 

§ 1º A atenção às vítimas dar-se-á com a interrupção da situação de exploração ou violência, a sua reinserção social, a garantia de facilitação do acesso à educação, à cultura, à formação profissional e ao trabalho e, no caso de crianças e adolescentes, a busca de sua reinserção familiar e comunitária. 

§ 2º No exterior, a assistência imediata a vítimas brasileiras estará a cargo da rede consular brasileira e será prestada independentemente de sua situação migratória, ocupação ou outro status . 

§ 3º A assistência à saúde prevista no inciso I deste artigo deve compreender os aspectos de recuperação física e psicológica da vítima.


Art. 7º A Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 , passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: 

Art. 18-A. Conceder-se-á residência permanente às vítimas de tráfico de pessoas no território nacional, independentemente de sua situação migratória e de colaboração em procedimento administrativo, policial ou judicial. 

§ 1º O visto ou a residência permanentes poderão ser concedidos, a título de reunião familiar: 

I - a cônjuges, companheiros, ascendentes e descendentes; e 

II - a outros membros do grupo familiar que comprovem dependência econômica ou convivência habitual com a vítima. 

§ 2º Os beneficiários do visto ou da residência permanentes são isentos do pagamento da multa prevista no inciso II do art. 125. 

§ 3º Os beneficiários do visto ou da residência permanentes de que trata este artigo são isentos do pagamento das taxas e emolumentos previstos nos arts. 20, 33 e 131.” 

“Art. 18-B. Ato do Ministro de Estado da Justiça e Cidadania estabelecerá os procedimentos para concessão da residência permanente de que trata o art. 18-A.” 

Art. 42-A . O estrangeiro estará em situação regular no País enquanto tramitar pedido de regularização migratória.”


CAPÍTULO V 

DISPOSIÇÕES PROCESSUAIS


Art. 8º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias relacionadas a bens, direitos ou valores pertencentes ao investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito do crime de tráfico de pessoas, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144-A do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal)

§ 1º Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção. 

§ 2º O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. 

§ 3º Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou investigado, ou de interposta pessoa a que se refere o caput , podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º. 

§ 4º Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, sequestrado ou declarado indisponível. 


Art. 9º Aplica-se subsidiariamente, no que couber, o disposto na Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013 .


Art. 10. O Poder Público é autorizado a criar sistema de informações visando à coleta e à gestão de dados que orientem o enfrentamento ao tráfico de pessoas.


Art. 11. O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 13-A e 13-B:


Art. 13-A. Nos crimes previstos nos arts. 148 , 149 e 149-A , no § 3º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) , e no art. 239 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) , o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos.

Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá:

I - o nome da autoridade requisitante;

II - o número do inquérito policial; e

III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação.”


“Art. 13-B. Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso. 

§ 1º Para os efeitos deste artigo, sinal significa posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de radiofrequência. 

§ 2º Na hipótese de que trata o caput , o sinal: 

I - não permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme disposto em lei; 

II - deverá ser fornecido pela prestadora de telefonia móvel celular por período não superior a 30 (trinta) dias, renovável por uma única vez, por igual período; 

III - para períodos superiores àquele de que trata o inciso II, será necessária a apresentação de ordem judicial.

§ 3º Na hipótese prevista neste artigo, o inquérito policial deverá ser instaurado no prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas, contado do registro da respectiva ocorrência policial.

§ 4º Não havendo manifestação judicial no prazo de 12 (doze) horas, a autoridade competente requisitará às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso, com imediata comunicação ao juiz.”


Art. 12. O inciso V do art. 83 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 83. ......................................................................... ........................................................................................... 

V - cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. ....................................................................................” (NR) 

Art. 13. O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte art. 149-A:


“Tráfico de Pessoas

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: 

I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; 

II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; 

III - submetê-la a qualquer tipo de servidão; 

IV - adoção ilegal; ou 

V - exploração sexual.


Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. 

§ 1º A pena é aumentada de um terço até a metade se: 

I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; 

II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; 

III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou 

IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. 

§ 2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.”


CAPÍTULO VI 

DAS CAMPANHAS RELACIONADAS AO ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS


Art. 14. É instituído o Dia Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, a ser comemorado, anualmente, em 30 de julho. 

Art. 15. Serão adotadas campanhas nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas, a serem divulgadas em veículos de comunicação, visando à conscientização da sociedade sobre todas as modalidades de tráfico de pessoas.


CAPÍTULO VII 

DISPOSIÇÕES FINAIS


Art. 16. Revogam-se os arts. 231 e 231-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). 

Art. 17. Esta Lei entra em vigor após decorridos 45 (quarenta e cinco) dias de sua p ublicaçã o oficial.


Brasília, 6 de outubro de 2016; 195º da Independência e 128º da República.


MICHEL TEMER 

Alexandre de Moraes 

José Serra 

Ricardo José Magalhães Barros 

Osmar Terra

Grace Maria Fernandes Mendonça