segunda-feira, 25 de julho de 2022

RECOMENDAÇÃO DO CONANDA PELA REJEIÇÃO DA MP 1.116/22 E DO DECRETO 11.061/22

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente — Conanda, instância máxima de formulação, deliberação e controle das políticas públicas para a infância e a adolescência na esfera federal, criado pela Lei n? 8.242 de 1991, é o órgão responsável por tornar efetivos os direitos, princípios e diretrizes contidos na Lei ne 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e, por isso, vem manifestar sua preocupação e contrariedade em face de dispositivos legais alterados pela da MP 1.116/22 e Decreto 11.061/22, orientando aos deputados e senadores a rejeição da proposta legislativa e sustação do decreto, nos termos que se seguem.

 

CONSIDERANDO que o art. 227 da Constituição Federal e o art. 42 do ECA estabelecem a doutrina da proteção integral, que garante à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, direito à educação, à profissionalização, à dignidade, ao respeito, dentre outros;

 

CONSIDERANDO, também, que o direito à profissionalização do adolescente encontra inúmeras barreiras para sua efetivação, e que em especial aos mais vulneráveis, a inclusão positiva no mundo do trabalho encontra hoje quase sua exclusiva sustentação na política pública de aprendizagem profissional, sendo esta uma reconhecida iniciativa para efetivar garantias fundamentais com proteção social e direitos trabalhistas e previdenciários;

 

CONSIDERANDO que, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Previdência, em novembro de 2021, temos 488.536 aprendizes no Brasil, o que representa apenas aproximadamente 50% das vagas decorrentes da cota mínima prevista na CLT;

 

CONSIDERANDO que, foi incluído no Plano de Ação 2021-2022 da Comissão de Políticas Públicas, como objetivo estratégico do Conanda: "Articular políticas públicas envolvidas no processo da Aprendizagem buscando qualificar a relação entre os diferentes atores e fomentar ações que levem ao alcance da cota mínima prevista em lei.

 

CONSIDERANDO que, os institutos legais alterados pela MP 1116 promovem redução potencial e imediata de vagas de aprendizagem profissional, em especial concedendo prazos para que empresas inadimplentes com sua cota legal não sejam fiscalizadas e com efetiva redução de vagas com contagem em dobro de aprendizes efetivados ou em vulnerabilidade social;

 

CONSIDERANDO que, o art. 208 da Constituição Federal e o artigo 54 do ECA fixam, entre os deveres do Estado para com a educação, a garantia da educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;

 

CONSIDERANDO que, o art. 72 da Constituição Federal estabelece como direito dos trabalhadores, urbanos e rurais, a licença à gestante (incisos XVIII), a licença - paternidade (incisos XIX), a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (inc. XX), a assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas (incisos XXV), e a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (incisos xxx);

 

CONSIDERANDO que, o Brasil ainda encontra desafios para alcançar a Meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE, Lei n. 13.005/2014), para ampliar em 50% o atendimento das crianças de até 3 (três) anos de idade na educação infantil em creches, garantindo o acesso especialmente às crianças em situação de vulnerabilidade econômica e social;

 

CONSIDERANDO que, a desigualdade de acesso, permanência e renda entre homens e mulheres no mercado de trabalho afeta diretamente o desenvolvimento e o bem-estar de crianças e adolescentes, especialmente daquelas inseridas em famílias cujo único responsável financeiro pelo domicílio é uma mulher;

 

CONSIDERANDO que, ao propor políticas de apoio à parentalidade na primeira infância e flexibilização do regime de trabalho para inserção e manutenção de mulheres no mercado de trabalho, a MP 1116 introduz medidas que colocam em risco o melhor interesse da criança;

 

CONSIDERANDO que, dentre as atribuições deste Colegiado, estão a de "oferecer subsídios e acompanhar a elaboração de legislação atinente à garantia dos direitos da criança e do adolescente;" e a de "emitir resoluções, notas públicas e recomendações relacionadas a temática dos direitos das crianças e dos adolescentes" (art. 32, incisos IX e XVIII, da Resolução Conanda ng 217 de 16 dezembro de 2018).

 

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente — CONANDA, no exercício de sua atribuição de controle social das políticas públicas infanto-juvenis, recomenda a rejeição das alterações normativas da MP 1116 e Decreto 11.061/22.

 

Destaca-se que estabeleceu o constituinte que os adolescentes são sujeitos de direitos, impondo a todos o dever de assegurar-lhes os direitos fundamentais e sociais com prioridade absoluta, incluindo a educação (que hoje abarca a educação infantil em creches e pré-escolas) e a profissionalização. Desta forma é injustificável que tais garantias sejam relativizadas, seja pela criação de alternativas precárias à guarda de crianças em lugar do acesso à escola, seja pelo reiterado descumprimento por empresas desta cota legal.

 

A creche, hoje, é uma importante etapa da educação e que reúne o cuidado com as interações e o brincar, estimulando o desenvolvimento pleno das crianças pequenas, tendo ganhado mais relevância nos últimos anos com o advento do Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257/2016) e o reconhecimento de que as experiências emocionais, sociais e cognitivas dos indivíduos nos anos iniciais da vida humana impactam em toda a sua existência. E como o acesso à educação deve ser universal, assim também o acesso à creche deve ser universal, razão pela qual não podem se destinar somente aos filhos dos trabalhadores e trabalhadoras, permitindo a utilização de recursos previdenciários para o custeio de vagas particulares.

 

O Estado precisa cumprir com seu dever insculpido no art. 208 da Constituição Federal e garantir a toda criança de até três anos de idade a oportunidade de frequentar a educação infantil em creche.

 

Quanto à licença parental, este colegiado entende ser mais que oportuna a discussão, especialmente sobre a ampliação da licença paterna para o fortalecimento dos vínculos familiares e ampliação dos cuidados com a saúde do recém-nascido, bem como compreende a urgência na discussão sobre a proteção ao trabalho da mulher, especialmente àquela que se torna mãe. Contudo, as possibilidades e as regras de prorrogação, substituição da prorrogação por trabalho em tempo parcial, compartilhamento da licença entre pai e mãe, não estão suficientemente claras e, com isso, não trazem segurança jurídica para sua implementação, o que as tornará pouco usuais.

 

Por derradeiro, insta a este colegiado se opor às inovações relativas ao direito à profissionalização do adolescente e do jovem. Isto porque a aprendizagem profissional tem se mostrado uma política pública bem-sucedida e pilar do direito à profissionalização, viabilizando educação, atividade laboral e renda, com saudável desenvolvimento do adolescente, preparando-o para a conquista de sua autonomia, com observância de sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.

 

A aprendizagem profissional ainda é reconhecida estratégia de combate ao trabalho infantil, realidade cruel de crianças e adolescentes privados dos seus direitos fundamentais básicos, como o acesso à escola e cuidados essenciais, proporcionando trabalho legal e renda digna àqueles adolescentes mais vulneráveis que muitas vezes são levados à evasão escolar pela necessidade de contribuir com o sustento familiar.

 

Nesse sentido, qualquer redução de vagas, limitação da atuação da inspeção do trabalho e relativização e adiamento das contratações como ora propostas na MP 1116 resulta em efetivos retrocessos aos direitos de milhares de adolescentes de imediato.

 

Ainda que se reconheça a importância de propor alterações normativas capazes de fomentar a efetivação dos aprendizes e a inclusão de adolescentes vulneráveis, estas políticas não podem ser formuladas com base em redução de vagas potenciais, sob risco de penalizar justamente os próprios aprendizes que mais necessitam da política.

 

Por todo o exposto, o Conanda manifesta-se contrário às alterações normativas implementadas pela MP 1.116/22 e Decreto 11.061/22, orientando aos deputados e senadores a rejeição da proposta legislativa e sustação do decreto.

 

DIEGO BEZERRA ALVES

Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente


Recomendação assinada pelo Conanda no dia 25.07.2022


Baixe, aqui, o documento original, em pdf


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