O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente — Conanda, instância máxima de formulação, deliberação e
controle das políticas públicas para a infância e a adolescência na esfera
federal, criado pela Lei n? 8.242 de 1991, é o órgão responsável por tornar
efetivos os direitos, princípios e diretrizes contidos na Lei ne 8.069
(Estatuto da Criança e do Adolescente) e, por isso, vem manifestar sua
preocupação e contrariedade em face de dispositivos legais alterados pela da MP
1.116/22 e Decreto 11.061/22, orientando aos deputados e senadores a rejeição
da proposta legislativa e sustação do decreto, nos termos que se seguem.
CONSIDERANDO que o art. 227 da Constituição
Federal e o art. 42 do ECA estabelecem a doutrina da proteção integral, que
garante à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, direito à
educação, à profissionalização, à dignidade, ao respeito, dentre outros;
CONSIDERANDO, também, que o direito à
profissionalização do adolescente encontra inúmeras barreiras para sua
efetivação, e que em especial aos mais vulneráveis, a inclusão positiva no
mundo do trabalho encontra hoje quase sua exclusiva sustentação na política
pública de aprendizagem profissional, sendo esta uma reconhecida iniciativa
para efetivar garantias fundamentais com proteção social e direitos
trabalhistas e previdenciários;
CONSIDERANDO que, de acordo com dados do
Ministério do Trabalho e Previdência, em novembro de 2021, temos 488.536
aprendizes no Brasil, o que representa apenas aproximadamente 50% das vagas
decorrentes da cota mínima prevista na CLT;
CONSIDERANDO que, foi incluído no Plano de Ação
2021-2022 da Comissão de Políticas Públicas, como objetivo estratégico do
Conanda: "Articular políticas públicas envolvidas no processo da
Aprendizagem buscando qualificar a relação entre os diferentes atores e
fomentar ações que levem ao alcance da cota mínima prevista em lei.
CONSIDERANDO que, os institutos legais
alterados pela MP 1116 promovem redução potencial e imediata de vagas de
aprendizagem profissional, em especial concedendo prazos para que empresas
inadimplentes com sua cota legal não sejam fiscalizadas e com efetiva redução de
vagas com contagem em dobro de aprendizes efetivados ou em vulnerabilidade
social;
CONSIDERANDO que, o art. 208 da Constituição
Federal e o artigo 54 do ECA fixam, entre os deveres do Estado para com a
educação, a garantia da educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças
até 5 (cinco) anos de idade;
CONSIDERANDO que, o art. 72 da Constituição
Federal estabelece como direito dos trabalhadores, urbanos e rurais, a licença
à gestante (incisos XVIII), a licença - paternidade (incisos XIX), a proteção do
mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (inc. XX), a
assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco)
anos de idade em creches e pré-escolas (incisos XXV), e a proibição de
diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (incisos xxx);
CONSIDERANDO que, o Brasil ainda encontra
desafios para alcançar a Meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE, Lei n.
13.005/2014), para ampliar em 50% o atendimento das crianças de até 3 (três)
anos de idade na educação infantil em creches, garantindo o acesso
especialmente às crianças em situação de vulnerabilidade econômica e social;
CONSIDERANDO que, a desigualdade de acesso,
permanência e renda entre homens e mulheres no mercado de trabalho afeta
diretamente o desenvolvimento e o bem-estar de crianças e adolescentes,
especialmente daquelas inseridas em famílias cujo único responsável financeiro
pelo domicílio é uma mulher;
CONSIDERANDO que, ao propor políticas de apoio
à parentalidade na primeira infância e flexibilização do regime de trabalho
para inserção e manutenção de mulheres no mercado de trabalho, a MP 1116
introduz medidas que colocam em risco o melhor interesse da criança;
CONSIDERANDO que, dentre as atribuições deste
Colegiado, estão a de "oferecer subsídios e acompanhar a elaboração de
legislação atinente à garantia dos direitos da criança e do adolescente;"
e a de "emitir resoluções, notas públicas e recomendações relacionadas a
temática dos direitos das crianças e dos adolescentes" (art. 32, incisos
IX e XVIII, da Resolução Conanda ng 217 de 16 dezembro de 2018).
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente — CONANDA, no exercício de sua atribuição de controle social das
políticas públicas infanto-juvenis, recomenda a rejeição das alterações
normativas da MP 1116 e Decreto 11.061/22.
Destaca-se que estabeleceu o constituinte que
os adolescentes são sujeitos de direitos, impondo a todos o dever de
assegurar-lhes os direitos fundamentais e sociais com prioridade absoluta,
incluindo a educação (que hoje abarca a educação infantil em creches e pré-escolas)
e a profissionalização. Desta forma é injustificável que tais garantias sejam
relativizadas, seja pela criação de alternativas precárias à guarda de crianças
em lugar do acesso à escola, seja pelo reiterado descumprimento por empresas
desta cota legal.
A creche, hoje, é uma importante etapa da
educação e que reúne o cuidado com as interações e o brincar, estimulando o
desenvolvimento pleno das crianças pequenas, tendo ganhado mais relevância nos
últimos anos com o advento do Marco Legal da Primeira Infância (Lei n.
13.257/2016) e o reconhecimento de que as experiências emocionais, sociais e
cognitivas dos indivíduos nos anos iniciais da vida humana impactam em toda a
sua existência. E como o acesso à educação deve ser universal, assim também o
acesso à creche deve ser universal, razão pela qual não podem se destinar
somente aos filhos dos trabalhadores e trabalhadoras, permitindo a utilização
de recursos previdenciários para o custeio de vagas particulares.
O Estado precisa cumprir com seu dever
insculpido no art. 208 da Constituição Federal e garantir a toda criança de até
três anos de idade a oportunidade de frequentar a educação infantil em creche.
Quanto à licença parental, este colegiado entende
ser mais que oportuna a discussão, especialmente sobre a ampliação da licença
paterna para o fortalecimento dos vínculos familiares e ampliação dos cuidados
com a saúde do recém-nascido, bem como compreende a urgência na discussão sobre
a proteção ao trabalho da mulher, especialmente àquela que se torna mãe.
Contudo, as possibilidades e as regras de prorrogação, substituição da
prorrogação por trabalho em tempo parcial, compartilhamento da licença entre
pai e mãe, não estão suficientemente claras e, com isso, não trazem segurança
jurídica para sua implementação, o que as tornará pouco usuais.
Por derradeiro, insta a este colegiado se opor
às inovações relativas ao direito à profissionalização do adolescente e do
jovem. Isto porque a aprendizagem profissional tem se mostrado uma política
pública bem-sucedida e pilar do direito à profissionalização, viabilizando
educação, atividade laboral e renda, com saudável desenvolvimento do
adolescente, preparando-o para a conquista de sua autonomia, com observância de
sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.
A aprendizagem profissional ainda é
reconhecida estratégia de combate ao trabalho infantil, realidade cruel de
crianças e adolescentes privados dos seus direitos fundamentais básicos, como o
acesso à escola e cuidados essenciais, proporcionando trabalho legal e renda
digna àqueles adolescentes mais vulneráveis que muitas vezes são levados à
evasão escolar pela necessidade de contribuir com o sustento familiar.
Nesse sentido, qualquer redução de vagas, limitação
da atuação da inspeção do trabalho e relativização e adiamento das contratações
como ora propostas na MP 1116 resulta em efetivos retrocessos aos direitos de
milhares de adolescentes de imediato.
Ainda que se reconheça a importância de propor
alterações normativas capazes de fomentar a efetivação dos aprendizes e a
inclusão de adolescentes vulneráveis, estas políticas não podem ser formuladas
com base em redução de vagas potenciais, sob risco de penalizar justamente os
próprios aprendizes que mais necessitam da política.
Por todo o exposto, o Conanda manifesta-se
contrário às alterações normativas implementadas pela MP 1.116/22 e Decreto
11.061/22, orientando aos deputados e senadores a rejeição da proposta
legislativa e sustação do decreto.
DIEGO BEZERRA ALVES
Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente
Recomendação assinada pelo Conanda no dia 25.07.2022
Baixe, aqui, o documento original, em pdf
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