Adolescentes impedidos de participar de reunião presencial do Conanda manifestam indignação e se mobilizam em defesa do direito à participação.
Neste sábado, 16 de julho, adolescentes de todo
o Brasil se reuniram para debater estratégias de fortalecimento do direito à
participação e protagonismo de crianças e adolescentes. A iniciativa foi deliberada no Seminário Direitos da Criança e do Adolescente: Conhecer, Divulgar e Efetivar, realizado
no dia 13 de julho de 2022, em alusão aos 32 anos do ECA, promovido pela Rede Peteca.
Na ocasião, noticiou-se uma lamentável decisão da Secretaria Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (SNDCA), que decidiu boicotar a participação presencial dos adolescentes
que representam os 26 estados junto ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente – Conanda, na próxima reunião do Colegiado.
A reunião do Conanda acontecerá nos dias 20 e
21 de julho de 2022, em Brasília, porém não contará com a participação presencial
dos adolescentes, não obstante tal participação tivesse sido deliberada pelo Conanda
e pelo Comitê Nacional de Participação dos Adolescentes (CPA). Por ocasião da
reunião realizada neste sábado (16), os adolescentes externaram indignação, revolta,
frustração, decepção e tristeza com o ocorrido, conforme desabafos dos
representantes de alguns estados e do Distrito Federal, abaixo transcritos:
“Eu não consegui acreditar que eles cancelaram nossa reunião, pois
já estava tudo certo e a Bel tinha dado todas as informações necessárias para
relembrar que estamos e sempre estivemos com tudo certinho. Eu me senti violada
e usada. Eles dizem que nós somos prioridade e que devemos usar nossa voz, mas
na hora que precisamos falar e precisamos do apoio deles, eles simplesmente
tentam nos silenciar e impedir nossa participação, sabendo o quanto é difícil
para todos ficar em formato remoto. É decepcionante, repugnante e muito
triste”. Isabela Aparecida Araújo
Schirrmann, representante do Estado de São Paulo no CPA do Conanda.
“Foi muito triste. Arranjaram uma desculpa esfarrapada para uma
decisão que afeta muita gente, mas a gente não vai deixar isso quieto. Convido
a todos os adolescentes a participarem da assembleia do Conanda na próxima
semana e deixarem seus comentários no chat do Youtube, em apoio ao CPA”. Andrey Felype Silva,
representante do Distrito Federal no CPA do Conanda
Fiquei muito chocada, muito revoltada, uma decepção total para os
adolescentes. Estão tirando nossa voz, nossos direitos. Passei a noite mal, no
dia que soube dessa decisão; os conselheiros da sociedade civil tentaram reverter
a decisão, mas não conseguiram. Até hoje estou muito triste, pois é nosso
direito participar e é direito das crianças e adolescentes serem
representados”. Maria Alejandra Ramirez
Diaz, representante do Estado de Roraima no CPA do Conanda.
“Fiquei triste e com raiva, pois eles viraram as costas para a
gente. Fiquei bastante chateada. E fica nítido que nosso protagonismo os
incomoda. Até aqueles que diziam está do nosso lado, lutando em conjunto
conosco nos apunhalaram, fazendo com que eu e os outros adolescentes nos
sentíssemos traídos. Eles acham que nosso papel como representantes é apenas
concordar, mas não é assim, ser representante é questionar, analisar, falar
sobre as nossas realidades e fazer aquilo que nos confiaram ao sermos eleitos.
Quando a gente discorda a gente incomoda. Nós já fizemos manifestações em
nossas redes, com folders e subimos hashtags. Isso não vai ficar assim, pois a
participação é um direito nosso”. Aline Ferreira da Silva, representante do
Estado de Goiás no CPA do Conanda.
“Fiquei muito chateada, pois tinha me preparado para a reunião.
Todos nós nos sentimos traídos. Pessoas que deveriam nos ajudar na luta por
nossos direitos, nos impedem de participar. É muito frustrante. É uma coisa que
machuca muito a gente. Sabe quando você já está quase na linha de chegada e vem
alguém te derrubar?!. Me senti muito
abalada, mas estou reunindo forças. Vamos mostrar que podemos, pois mexeu com a
gente, mexeu com todos as crianças e adolescentes. Então vamos lutar. Não vamos
desistir”. Elizabeth Paola Saavedra
Callisaya, representante do Estado de São Paulo no CPA do Conanda.
“Jamais pensamos que isso iria um dia vir a tona, pois eles sempre falavam que éramos “prioridade” é que nossa “Voz” tinha valor e eram válidas no colegiado nacional, mas acabou que a máscara caiu exato um dia antes do aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente. Não tinha dia mais propício que esse para eles se revelarem. Cadê nossos equipamentos? Eis a questão: porque a mesma Secretaria que impediu-nos de participar presencialmente, foi a mesma que não cumpriu com o dever de enviar-nos nossos equipamentos de internet, computadores etc… É entristecedor, inadmissível e revoltante, mas enquanto houver força de vontade de lutar, haverá esperança de vencer!… Nada para nós, sem nós”. Ian Vitor Maciel Cardoso, representante do Estado do Amapá no CPA do Conanda.
Nós adolescentes do CPA/Conanda, fomos desrespeitados com uma
conduta da SNDCA/MMFDH, do Governo Federal. Nossa participação está sendo
violentada. Sabemos que não foi por causa da COVID, pois nas três Assembleias
Ordinárias do Conanda estávamos lá. Eles não pensaram na COVID em dezembro/2021,
abril e maio de 2022. Não tivemos nem sequer um posicionamento da SNDCA. Nosso
papel, enquanto representantes, é reivindicar, cobrar, debater e falar o que
tem que ser dito, e não nos omitir. Somos resistentes e por isso nunca saímos
da luta, pelos adolescentes do Brasil, pelas crianças ribeiras, de
vulnerabilidade e negros. NADA PARA NÓS SEM NÓS. Willian Eleuterio Azevedo
dos Santos, representante de Sergipe no CPA do Conanda
Carta em Defesa do Direito à Participação
Por ocasião da reunião deliberou-se a elaboração de uma carta em defesa do direito à participação e protagonismo, na qual os adolescentes manifestarão sua indignação diante do cancelamento da participação presencial de seus representantes e reivindicarão adoção de providências por parte das autoridades competentes para que lhe seja assegurado o direito de participação presencial nas reuniões do referido Colegiado. A carta será disponibilizada para assinatura de crianças e adolescentes de todo o Brasil e entregue pelo representante do Distrito Federal no CPA, por ocasião da reunião do Conanda. Também será encaminhada para os órgãos e entidades da Rede de Proteção e do Sistema de Justiça.
Direito à participação e protagonismo
A participação é uma das manifestações do direito à liberdade, que compreende, dentre outros, o direito de participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação e da vida política, na forma da lei (art. 16, incisos V e VII do Eca).
Esse direito também está previsto no art. no art. 227, caput e § 7º, e no art. 204 da Constituição da Federal, que prevê a participação como umas da diretrizes para o estabelecimento dos direitos da criança e do adolescente, e exige “a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”.
A Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas – ONU garante o direito da criança e do adolescente de serem ouvidos e participarem das decisões que lhes digam respeito de acordo com a sua idade e maturidade (art. 12).
O Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, tem como um de seus objetivos estratégicos “promover o protagonismo e a participação de crianças e adolescentes nos espaços de convivência e de construção da cidadania, inclusive nos processos de formulação, deliberação, monitoramento e avaliação das políticas públicas” (Eixo 3, Diretriz 6, Objetivo estratégico 6.1).
O Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 estabelece que a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em parceria com o CONANDA, deverá assegurar a opinião das crianças e dos adolescentes será considerada na formulação das políticas públicas voltadas para estes segmentos (Diretriz 8, Objetivo Estratégico 1, Ação Programática E).
A Política Nacional de Participação Social tem o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil e define dentre as instâncias de participação social os conselhos de políticas públicas, comissão de políticas públicas, conferência nacional, consulta pública e ambiente virtual de participação social.
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos considera a mobilização e organização de processos participativos em defesa dos direitos humanos de grupos em situação de risco e vulnerabilidade social, denúncia das violações e construção de propostas para sua promoção, proteção e reparação, como estratégia de educação não formal.
O processo de articulação e participação de crianças e adolescentes nos espaços de discussão relacionados os direitos de crianças e adolescentes, em especial nos espaços de conselhos, foram propostas aprovadas na 9ª e 10ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizadas em 2012 e 2015, respectivamente.
A Resolução 191, de 7 de junho de 2017, do
Conanda, disciplina a participação permanente de adolescentes, em caráter
consultivo, no âmbito do referido Conselho, por meio do Comitê de Participação
dos Adolescentes – CPA, e do Ambiente
Virtual de Participação. O CPA é um órgão colegiado formado por
adolescentes escolhidos no âmbito dos espaços de participação de
adolescentes nos Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente,
de grupos sociais diversos e por meio do ambiente virtual de participação.
O Colegiado é formado 47 adolescentes entre 12 e 16 anos, sendo 27 escolhidos
pelos Estados e pelo Distrito Federal, 10 escolhidos de grupos sociais diversos
e 10 selecionados no ambiente virtual.
Desrespeito aos adolescentes do CPA do Conanda
Os primeiros adolescentes do CPA do Conanda foram
nomeados através da Resolução nº 216, de 19 de dezembro de 2018, porém sua posse
nunca aconteceu. Foram feitos vários adiamentos, num total descaso aos direitos
dos eleitos. Passaram-se os dois anos previstos
para o mandato sem que os adolescentes pudessem exercer seu direito de participação.
Como a maioria dos eleitos completaram 18 anos durante os adiamentos, foi
necessário fazer nova eleição.
Em 2020, foram selecionados novos membros, os quais tomaram posse no dia 10 dezembro de 2020. Passados mais 18 meses da posse, até a presente data os adolescentes nunca tiveram oportunidade de participar de uma reunião organizada por eles/as e para eles/as. A participação tem sido apenas nas assembleias gerais do Conanda, e ainda assim, de apenas uma parte dos membros. Mediante rodízio, os adolescentes participaram, presencialmente, das assembleias de dezembro de 2021, abril e maio de 2022, com 6, 12 e 6 representantes, respectivamente.
Nos dias 20 e 21 de julho de 2022 aconteceria, pela primeira vez, o tão esperado encontro de todos os adolescentes do CPA. O evento seria, também, comemorativa dos 32 anos do Eca. Estavam todos cheios de expectativas. Foram realizados procedimentos licitatórios, firmados convênios para fins de custeio das passagens, estadia e alimentação dos adolescentes. Foram adotadas as providencias sanitárias. Estava tudo pronto. Porém, sem justificativa plausível, a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA) decidiu cancelar a participação presencial dos adolescentes. Os Conselheiros que representam a sociedade civil no Conanda tentaram reverter a decisão, porém não tiveram o apoio dos Conselheiros que representam o governo, gerando grande revolta nos adolescentes.
A notícia caiu como um balde de água fria nas chamas que estavam se acendendo este ano, durante os meses de preparação. Decepção, frustração de expectativa, revolta, inconformismo são alguns do sentimentos dos adolescentes, que nunca imaginaram que seria vítimas de tamanho descaso. Todos acreditaram como verdadeiras, as falas que estão então de diziam (e que a própria Constituição Federal diz) que eles são prioridade.
Mobilização
Os adolescentes do CPA do Conanda reagiram à tentativa do governo em silenciá-los. Fizeram manifestações
em suas redes sociais, com folders e mensagens de protestos, subiram hashtags.
Participaram de reunião com os adolescentes da Rede Peteca e juntos vão elaborar
uma carta, que terá assinaturas online de crianças e adolescentes e todo o
Brasil. A carta será entregue ao Conanda, aos representantes da rede de
proteção e do Sistema de Justiça, dentre outros autoridades.
Adolescentes da Rede Peteca
Os adolescentes da
Rede Peteca se juntaram aos do CPA do Conanda para fortalecer a luta pelo
Direito à Participação, direito este que tem sido exercido por eles com muita
intensidade. Eles estão sempre presentes em todas as atividades da Rede Peteca,
promovendo debates, campanhas, participando
das atividades formativas, manifestando-se através da literatura, das artes
visuais, da música e outras formas de expressão. Eles são os principias palestrantes e participantes dos eventos da Rede Peteca no Youtube,
que já conta com mais de 584 mil visualizações e 84 mil horas de exibição.
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