quarta-feira, 20 de julho de 2022

CARTA EM DEFESA DOS ADOLESCENTES DO CPA/CONANDA: "NADA PARA NÓS SEM NÓS"

 Brasil, 19 de julho de 2022

 


Excelentíssimos representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, aos Conselheiros e às Conselheiras do Conanda, e aos demais atores do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente.


 

Nós, adolescentes brasileiros, sujeitos de direito, aos quais a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca) asseguram proteção integral e prioridade absoluta, como  pessoas em peculiar condição de desenvolvimento, por meio da presente carta, expressamos nosso  inconformismo, indignação,  decepção e sentimento de frustração com a decisão de cancelamento do Encontro Nacional do Comitê de Participação dos Adolescentes, que seria realizado nos dia 19 e 20 de julho de 2022, bem com a participação  presencial na Assembleia Ordinária do Conanda, no dia 21 de julho de 2022, eventos que marcariam os 32 anos do Eca.

 

O aniversário do Eca deveria ser motivo de comemoração para todos nós, especialmente para os adolescentes do CPA/Conanda, que estavam se preparando para irem a Brasília nos representar e defender nossos direitos. Porém, um dia antes de o Eca completar 32 anos, os adolescentes do CPA foram informados que a viagem fora cancelada por decisão unilateral da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), em razão de supostas preocupações com a segurança e a saúde dos adolescentes, não obstante todos os cuidados tenham sido tomados pela entidade responsável pela realização do evento para uma viagem segura, como ocorrido em eventos anteriores.

 

A notícia caiu como um balde de água fria nas chamas que estavam se acendendo nos adolescentes, durante os meses de preparação para realização do Encontro e participação na Assembleia.  Decepção, frustração, revolta, inconformismo são alguns dos sentimentos dos adolescentes, que nunca imaginaram que seriam vítimas de tamanho descaso. Todos acreditaram nas falas dos que até então diziam que crianças e adolescentes são prioridade absoluta. Infelizmente essa prioridade está na lei, mas ainda não está na cabeça nem no coração de muitos.

 

Todos nós sabemos que o motivo apontado para cancelar a participação presencial dos adolescentes não corresponde à verdade, pois se a segurança e a saúde  fossem os verdadeiros motivos, os adolescentes não teriam participado, presencialmente, das Assembleias Ordinárias do Conanda nos meses de dezembro/2021, abril e maio de 2022.

 

É óbvio que a segurança e a saúde são direitos fundamentais. Porém, esses direitos não podem ser usados como mera justificativa para negar o direito à liberdade de expressão, pois o art. 3º do Eca estabelece que devem ser asseguradas, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de facultar o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes em condições de liberdade e de dignidade. O que se tem visto é que em vez de criar facilidades, tem-se criado apenas dificuldades para a participação dos adolescentes.

 

Por outro lado, a preocupação com a saúde, para ser legítima, precisa ser verdadeira. Quem foi contra as máscaras, contra as vacinas e contra o distanciamento social durante os períodos mais graves da pandemia não tem legitimidade para, agora, usar a Covid-19 como justificativa para impedir a participação presencial dos adolescentes nas Assembleias do Conanda e no Encontro Nacional do CPA.

 

É preciso garantir a participação sociopolítica de crianças e adolescentes, pois ela faz parte do conjunto de direitos sem os quais não se pode falar em democracia. Quando se nega esse direito a crianças e adolescentes, nega-se o direito de liberdade de expressão, previsto no art. 16 do Eca, segundo o qual o direito à liberdade compreende, dentre outros aspectos, o direito à opinião e expressão, o de participar da vida política, na forma da lei (incisos II e VI). 

 

O direito à liberdade de opinião e de expressão também está previsto na Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 1989. O art. 12, item 1, da referida Convenção garante o direito da criança e do adolescente de serem ouvidos e participarem das decisões que lhes digam respeito, de acordo com a sua idade e maturidade.

 

O Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes aponta como um de seus objetivos estratégicos “promover o protagonismo e a participação de crianças e adolescentes nos espaços de convivência e de construção da cidadania, inclusive nos processos de formulação, deliberação, monitoramento e avaliação das políticas públicas” (Objetivo Estratégico 6.1).

 

A participação de crianças e adolescentes nos espaços de discussão relacionados aos direitos de crianças e adolescentes, em especial nos espaços dos conselhos, foi proposta e aprovada na 9ª e na 10ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizadas em 2012 e 2015, respectivamente.

 

A Resolução 191, de 7 de junho de 2017, do Conanda, disciplina a participação permanente de adolescentes, em caráter consultivo, no âmbito do referido Conselho, por meio do Comitê de Participação dos Adolescentes – CPA, e do Ambiente Virtual de Participação.

 

O CPA é um órgão colegiado formado por adolescentes escolhidos no âmbito dos espaços de participação de adolescentes nos Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente, de grupos sociais diversos e por meio do ambiente virtual de participação. O Colegiado deve ser formado por 47 adolescentes entre 12 e 16 anos, sendo 27 escolhidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, 10 escolhidos de grupos sociais diversos e 10 selecionados no ambiente virtual.

 

Apesar da clareza das leis, o que se tem observado é um constate desrespeito aos direitos dos adolescentes. Os primeiros adolescentes do CPA do Conanda foram nomeados através da Resolução nº 216, de 19 de dezembro de 2018, porém sua posse nunca aconteceu. Foram feitos vários adiamentos, num total descaso aos direitos dos eleitos.  Passaram-se os dois anos previstos para o mandato sem que os adolescentes pudessem exercer seu direito de participação. Como a maioria dos eleitos completaram 18 anos durante os adiamentos, foi necessário fazer nova eleição.

 

Em 2020, foi realizado novo processo seletivo, no qual os atuais membros do CPA foram eleitos. A posse aconteceu no dia 10 dezembro de 2020, de forma virtual. Passados mais 18 meses da posse, até a presente data os adolescentes nunca tiveram oportunidade de participar de um encontro presencial do CPA. A participação tem sido apenas nas Assembleias Gerais do Conanda.

 

Nos dias 19 e 20 de julho de 2022 aconteceria, pela primeira vez, o tão esperado encontro nacional presencial de todos os adolescentes do CPA, em Brasília. O evento seria, também, comemorativo dos 32 anos do Eca. Estavam todos cheios de expectativas.  Foram realizados procedimentos licitatórios, firmados convênios para fins de custeio das passagens, estadia e alimentação dos adolescentes. Foram adotadas as providencias sanitárias. Estava tudo pronto. O cancelamento, de última hora, e sem justificativa plausível, foi recebido pelos adolescentes, com muita tristeza, como mais uma prova do despeito ao direito de participação.

 

Diante do exposto, nós, adolescentes de todo o Brasil, assinamos a presente Carta para reivindicar dos Poderes  Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como do Ministério Público, dos Conselheiros do Conanda e das demais autoridades e atores do Sistema de Garantia de Direitos que adotem providências no sentido de assegurar a participação presencial dos adolescentes do CPA nas Assembleias Ordinárias do Conanda e a realização de encontros com participação presencial de todos os adolescente do CPA, e nos demais espaços de participação, em respeito ao  art. 16, incisos II e VI, do Eca, e ao art. 12, item I, da Convenção dos Direitos da Criança, bem como da Resolução 191 do Conanda.


Por fim, relembramos aos senhores e às senhoras, destinatários desta Carta, que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca) foi construído com a participação de meninos e meninas em situação de rua. Da mesma forma, queremos nos fazer presentes nos debates em todos os espaços de discussão e deliberação das políticas públicas necessárias à implementação do Eca, porque esse é um direito fundamental nosso; somos nós os titulares dos direitos nele previstos; nós é que seremos impactados pela implementação ou pela falta de implementação dos referidos direitos.


Cordialmente e com urgência,


Carta elaborada por adolescentes do CPA/Conanda e da Rede Peteca, e assinada por adolescentes de todo o Brasil.


Órgãos, entidades e movimentos da Rede Proteção da Criança e Adolescente poderão manifestar seu apoio aos adolescentes, assinando esta Carta. 

Para assinar a Carta, basta preencher o formulário neste link.

 


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