A sociedade civil, representantes de diversas organizações e comunidades do Distrito Federal em defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes e demais instituições signatárias, inclusive de atuação em nível nacional vêm, por meio desta, expressar repúdio a aprovação na Câmara Legislativa, em primeiro turno, de projeto de lei que estabelece o ensino domiciliar (homeschooling) no Distrito Federal.
Em primeiro lugar ressaltamos a inconstitucionalidade da proposta, tendo em vista que criar modalidades de ensino não é de competência dos entes subnacionais, como o Distrito Federal, pois, de acordo com o art. 22 da Constituição de 1988, definir as diretrizes e bases da educação nacional é competência privativa da União. O Brasil, como bem apontou o Pleno do Supremo Tribunal Federal, não possui legislação que regulamente preceitos e regras aplicáveis a modalidade de ensino de Educação Domiciliar. Assim, qualquer alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cabe ao Congresso Nacional. A Constituição define, ainda, que a educação básica é obrigatória dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade e o art. 6º da Lei 9.394 de 1996, que é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade.
Além disso, o art. 205 da Constituição Federal estabelece que a educação, direito todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Nessa esteira, a inconstitucionalidade permanece na seletividade da educação, sendo a educação domiciliar contrária à universalidade da política pública, a que se refere o texto constitucional.
Aprovado no último dia 17 de novembro (2020), o texto é um substitutivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aos projetos de lei nº 356/2019, do deputado João Cardoso (Avante), nº 1.167/2020, dos deputados Júlia Lucy (Novo), Delmasso (Republicanos) e Eduardo Pedrosa (PTC), e nº 1.268/2020, do Poder Executivo.
É importante registrar que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos e não propriedade da família. Devem ter reconhecido o seu direito à socialização, à convivência comunitária e a ser parte de um mundo inclusivo, aprendendo a lidar com as diferenças. A sua participação e vivência na comunidade escolar são imprescindíveis para a efetiva inclusão social e formação como cidadãos e cidadãs.
A política da educação visa justamente assegurar os direitos fundamentais previstos no art. 227 da Constituição Federal, que institui a doutrina da proteção legal, regulamentada posteriormente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB.
O Brasil está entre os 20 países que mais violenta crianças e adolescentes em âmbito doméstico. De acordo com os dados do Disque 100 (2019), 73% dos casos de violência contra crianças e adolescentes acontecem na casa da vítima ou do suspeito, sendo que 64% dos agressores são do convívio familiar da criança ou do adolescente (mãe, pai, padrasto e tios). Em relação à violência sexual, 87% dos agressores são homens e destes 40% são os pais ou padrastos das vítimas.
Sabe-se que a escola é o espaço principal de denúncias de tais violações. Assim, acreditamos que o aumento das violências sexual, física e psicológica, além da negligência e explorações de toda ordem serão ainda mais invisibilizadas pelo ensino domiciliar.
Em relação à exploração do trabalho infantil, sabe-se que um grande percentual dessa exploração, principalmente em suas piores formas, acontece no trabalho doméstico, em seus próprios domicílios ou nos de terceiros; assim como a exploração de crianças e adolescentes nas ruas trabalhando com ou para familiares. A presença na escola é uma das mais efetivas formas de prevenção à exploração do trabalho de crianças e adolescentes, que tem como consequências nefastas a manutenção do ciclo de pobreza, além de prejuízos para o seu desenvolvimento físico, biológico e psicossocial.
A escola, além de espaço pedagógico, educativo, de socialização, de inclusão e desenvolvimento de crianças e adolescentes, é também espaço de proteção. Manter seres humanos em uma fase peculiar de desenvolvimento apenas dentro de suas casas é uma afronta aos direitos fundamentais postos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
A desigualdade no ensino é outra grande preocupação, pois o Brasil possui alto nível de analfabetismo entre os adultos e a modalidade do ensino domiciliar pode agravar esse problema, uma vez que a grande maioria das famílias brasileiras não terá condições socioeconômicas e psicossociais para a oferta dessa modalidade de ensino, mas poderão requerer esse “direito”, se assim a CLDF entender, para submeter crianças e adolescentes a situações acima explicitadas.
Entendemos que cabe ao Estado investir mais recursos públicos para garantir a melhoria das condições das escolas públicas, de modo a atender, de forma plena e universal o direito à educação, assegurando a proteção das crianças e adolescentes, bem como a promoção de seus direitos.
Por fim, é ultrajante não haver amplo debate junto à comunidade do Distrito Federal, além do desrespeito a manifestação de crianças e adolescentes sobre matéria que trata de seus direitos, garantindo o princípio constitucional e das leis correlatas, como a lei Distrital Nº 4.751/2012, que garantem a participação da comunidade local e escolar nas decisões referentes à educação, efetivando assim a gestão democrática da educação pública.
Repudiamos os votos favoráveis e nos colocamos em defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes pela manutenção da convivência comunitária, social e inclusiva em espaço escolar ofertado pelo Estado.
ASSINAM ESTA NOTA
1. Aconchego - Grupo de Apoio à Convivência Familiar e Comunitária
2. Aldeias Infantis SOS Brasil
3. AMOPETI - Adolescentes Mobilizados pela Prevenção e Erradicação do Trabalho
Infantil
4. AMORA - Movimento Popular por Moradia do DF e entorno
5. ANDI Comunicação e Direitos
6. Associação Brasileira de Autismo, Comportamento e Intervenção (ABRACI)
7. Associação Internacional Maylê Sara Kalí-AMSK/Brasil
8. Associação Mãos Amigas – AMAS
9. Associação Nacional de Educação Católica – ANEC
10. Associação Nacional de Politicas e Administração da Educação - DF
11. Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (ANCED)
12. Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação - DF
13. Associação Nairim
14. Avante Educação e Mobilização Social
15. Casa Azul
16. Casa da Paternidade
17. Casa de Ismael
18. CECRIA - Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes
19. Central de Movimentos Populares- CMP
20. Central dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil
21. Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan
22. Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal - CEDECA DF
23. Centro de Educação Paulo Freire de Ceilândia
24. Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infancia- Ciespi
25. Centro de Formação Popular da Juventude
26. CEI - Cultura, Educação e Infâncias
27. CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
28. Coletivo da Cidade
29. Coletivo de Mulheres com Deficiência DF
30. Coletivo PsiDF
31. Comissão Justiça e Paz CNBB
32. Comitê do Distrito Federal da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com apoio da Coordenação Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
33. Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes
34. CONAPETI - Comitê Nacional de Adolescentes pelo Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil
35. Congregação São João Batista - Instituto Promocional Madalena Caputo.
36. Conselho Tutelar Brasília I
37. Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente no DF/MPT
38. CRESS DF - Conselho Regional de Serviço Social
39. CRP DF - Conselho Regional de Psicologia do DF
40. CUT DF – Central Única das Trabalhadoras e Trabalhadores do DF
41. D&M Consultoria e Assessoria Social
42. DCE Honestino Guimarães – Universidade de Brasília 43. Distrito Drag
44. Elo Mulheres REDE DF
45. Eu me Protejo
46. Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas- FENATRAD
47. Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares do DF - FCNCT
48. Fórum Comunitário e de Entidades do Gama - FCom/Gama
49. Fórum DCA DF – Fórum de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Distrito Federal
50. Fórum de Aprendizagem do DF
51. Fórum de Educação Infantil do Distrito Federal- FEIDF
52. Fórum de Lutas LGBTQI +D DFE
53. Fórum de Mulheres DFE
54. Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente trabalho do Distrito Federal – FPETI/DF
55. Fórum Distrital de Educação
56. Fórum Nacional de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes - FNDCA
57. Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
58. Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente no Congresso Nacional
59. INESC
60. Instituto Berço da Cidadania
61. Instituto do Carinho
62. Instituto dos Direitos da Criança e do Adolescente (INDICA)
63. Instituto Espírito de Luz - IEL
64. Instituto inclusão
65. Instituto Trabalho Decente
66. Instituto Solar do Sentir, Educação e Vida
67. Instituto Viva Mulher Direitos e Cidadania
68. Levante Popular da Juventude
69. Mães Pela Diversidade
70. Marcha Mundial das Mulheres DF
71. MECE - Movimento de Educação e Cultura da Estrutural
72. MOVECE - Associação Movimento Vida, Ética, Cidadania e Espiritualidade
73. Movimento de Meninos e Meninas de Rua DF
74. Movimento de Educação de Base - MEB
75. Movimento Down
76. Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB)
77. Movimento Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis do DF (MNCR/DF)
78. Movimento Negro Unificado
79. Movimento Popular Por Uma Ceilândia Melhor
80. Movimento Pro Saúde Mental DF
81. MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
82. Núcleo de Estudos pra Infância e Juventude NEIJ/UnB
83. Obras Sociais do Centro Espírita Irmão Áureo
84. Pastoral do Menor - Arquidiocese de Brasília
85. PETECA - Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança do Adolescente
86. Ponto de Cultura Ludocriarte
87. Projeto de Extensão Ciências Sociais nas Escolas do Depto. de Sociologia da Universidade de Brasília
88. Rede ECPAT Brasil
89. Rede Emancipa Movimento Social de Educação Popular
90. Rede Primeira Infância de Pernambuco - REPI
91. Rede Não Bata, Eduque
92. Secretaria de Mulheres do PSB DF
93. Secretaria de Mulheres do PT DF
94. Setorial de Mulheres do PSOL DF
95. Sindicato dos Professores do DF - SINPRO/DF
96. Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal- SINPROEP
97. Sindicato dos Servidores da Assistência Social e Cultural do GDF - SINDSASC
98. Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (SINASEFE) - Brasília
99. SINTIBREF DF 100. Teia Solidária
101. Trafem - Coletiva Trafeminista
102. UBM- União Brasileira de Mulheres
103. ULTRA - União Libertária de Travestis e Mulheres Transexuais
104. Vila da Cidadania
105. Visão Mundial
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