segunda-feira, 30 de março de 2020

O SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO E A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL


 Fonte: ConJus /2020
O resultado negativo do empoderamento das classes sociais é um argumento que ainda está vivo nos dias de hoje, justificado por um fator que apresenta a desigualdade social vigente no país como a ferramenta principal para o aumento da criminalidade, consequência essa que ainda é preponderante na sociedade brasileira, principalmente com relação aos cidadãos negros brasileiros e que é pauta de discussão acirrada no sistema carcerário. Para ampliar o debate sobre o sistema carcerário brasileiro e a proposta de redução da maioridade penal, temos que passar pelo conceito do Direito da Pessoa Humana, tema defendido por Organismos Sociais em Defesa dos Direitos Humanos e que é um dos pontos mais discutidos com relação ao sistema carcerário no Brasil.

A soberania individual do cidadão não pode ser negada, ou seja, a dignidade não pode ser negada ou desrespeitada, independentemente do crime que ele tenha cometido, e tal soberania se exprime através dos direitos básicos que cada cidadão possui e que estão amparados por vários mecanismos legais, mas antes deles, está o direito inalienável de todo cidadão do mundo, a dignidade. Os dispositivos legais servem para garantir tais direitos, para fazê-los serem respeitados. E que direitos básicos são esses? É o direito a igualdade, ao bem-estar, educação, saúde, segurança, justiça, dignidade, direitos explícitos na Constituição Federal, nos Direitos Humanos, direitos estes que tanto aqui no Brasil como em várias partes do mundo está longe de ser compreendido em toda a sua totalidade.
Os direitos sociais do indivíduo no sistema carcerário não estão isolados do cidadão comum, são direitos intrínsecos e que definem as regras de uma democracia justa e igualitária. Independentemente da classe social, raça, etnia, credo, orientação sexual, gênero, os direitos são os mesmos para todos e o que tem sido apresentado aos presos no Brasil está muito longe de ser um ideal igualitário. 
O debate sobre o sistema carcerário brasileiro e sua função enquanto ente punitivo e ressocializador sempre esteve nas esferas de direitos como pauta de discussão e busca de propostas e meios para a implantação de medidas socioeducativas eficazes. É mais do que reflexivo, visto que a atividade penal ainda é o elemento que aumenta mais ainda o abismo social da ressocialização. A desigualdade de oportunidades existente no país ainda é uma realidade, que entre as singularidades diversas, representa um dos focos mais recorrentes no mundo da criminalidade. A ausência de contextos que quebrem esses paradigmas estigmatizados na corrupção e na vivência no crime como uma competência de sobrevivência ou de conceito de oportunidade é uma realidade brasileira, que vem em um crescente quando se presencia a não aplicabilidade da lei para determinadas classes sociais ou indivíduos, ou mesmo a situação em que se encontram os presos no sistema penitenciário, e que foram contestados a partir da prisão dos “colarinhos brancos”. 
A posição inferior dos demais presos constitui hoje um questionamento pormenorizado e uma reflexividade institucional, que agora tem ganhado força a partir do momento em que o país está vivendo com a questão da corrupção nas esferas governamentais, mas nem assim a revisão dos conceitos punitivos e ressocializadores tem sido um fator de ação e revisão do Código Penal e transformação do método de abordagem dentro do sistema carcerário, pelo contrário, o aumento da criminalidade produto do aumento da desigualdade social e falta de oportunidades abriu brechas para que o sistema carcerário ao invés de ser estatal ou federal passasse a ser privatizado, aos moldes americanos, sabendo nós que também é um sistema falido, corrupto e que priva apenas o capital, lucro oriundo dos milhares de presos enjaulados dentro do sistema carcerário.
Presenciamos no sistema prisional brasileiro, através dos noticiários ou mesmo em pesquisas que abordam estatísticas sobre o assunto, que a situação tem piorado e demandado um sentimento na sociedade, principalmente entre segmentos sociais reacionários que adotam lemas como “bandido bom é bandido morto” ou mesmo os linchamentos públicos que vêm ocorrendo em algumas cidades e, o que é pior, com anuência de parte da população. A violência vem em um crescente e o sistema sustenta caminhos perniciosos e corruptos, que levam o interno, à prática de mais violência, ou para sobreviver dentro do sistema carcerário ou mesmo para manter sua vida de crime, mesmo dentro das penitenciárias. O sistema carcerário prisional brasileiro não impõe respeito ao cidadão e a descrença no sistema é a brecha para ações antidemocráticas e de selvageria, em que a Lei que deveria proteger o cidadão vem servindo para manter o status quo da violência.
Segundo o jornalista Marcelo Brandão, da Agência Brasil (Governo Federal) realizada em 2014, com relação à população carcerária do Brasil, o aumento foi de 400% em 20 anos. Conforme matéria publicada no G1 em abril de 2019, atualmente são 704,4 mil presos nas penitenciárias e se for contabilizado os presos em regime aberto somam mais de 750 mil. Ainda com relação à matéria o déficit é de quase 289 mil vagas. Em outra matéria do G1, publicada em setembro de 2019, segundo relatório do Ministério da Justiça, 32,4% são presos provisórios, aguardando julgamento. Esses dados são relativos ao ano de 2017.
Temos um problema sério de superlotação no sistema carcerário brasileiro, além de outros problemas de igual importância, como: maus-tratos, falta de higiene, violência, doenças como tuberculose, HIV e poucos profissionais de saúde. Seguindo essa estática de superlotação, o Brasil ocupa o 3º lugar do mundo em população carcerária, e grande parte das penas são devido ao tráfico de drogas e roubo, segundo o CNJ (Centro Nacional de Justiça).
Um fator que tem preocupado muito é o aumento significativo dos crimes de homicídio simples e qualificado, além do feminicídio, o que implica em uma racionalização do aumento de violência no país devido à ausência de políticas públicas, responsabilidade por parte dos poderes constitucionais vigentes e adulteração das obrigações por parte dos entes públicos, seja a nível municipal, estadual, distrital ou federal. 
Se o sistema carcerário não ressocializa e se a violência tem aumentado no Brasil devido à desigualdade social e falta de oportunidades de empoderamento para o cidadão, o que dizer se a redução da maioridade penal for uma realidade no país?
Estamos passando por uma crise social complexa em que fatores internos deterioram cada vez mais a malha social existente, abrindo caminhos para a desestruturação conceitual de unidade, empatia, comunidade, elementos cruciais para alinhavar a construção do cidadão enquanto ser político e social, participativo de suas decisões e conquistas. 
O jovem no Brasil, principalmente o jovem de comunidades, o jovem preto, se vê excluído de seu potencial e dinâmicas organizacionais sociais, de sua construção de dignidade, de sua apropriação de valores e conhecimento, já que lhe são negados o saber e as condições para que o seu status não seja mais um dependente do estado ou de qualquer órgão social de assistência. Mas além do jovem preto, seja ele de periferia ou de outras comunidades, estão os demais jovens brasileiros, que perdem a cada dia seus direitos sociais, seus sonhos, suas projeções como futuros adultos com possibilidades de construção de uma vida digna, para si e sua família. 
Trazer para esse jovem a realidade da redução da maioridade penal é retirar de sua condição como ser social a possibilidade de conseguir quebrar o padrão vigente de criminalidade, quanto todos nós sabemos que as Unidades de Internação de jovens ou a Fundação Casa, antiga FEBEM, estão longe de serem agentes de ressocialização. Segundo dados oficiais a maioria dos jovens são presos por roubo, destruição de patrimônio e tráfico.
Um país que não prioriza a construção de mentes críticas e criativas. Que não se predispõe a acabar com a desigualdade social, que não constrói uma educação de qualidade, em que a base do ser humano está intrinsecamente ligada ao contexto educacional, seja cultural ou social, que prefere resolver sua incompetência com argumentos reacionários de encarceramento para diminuir a sua responsabilidade, tende a perpetuar suas condições de desigualdade e total falta de oportunidades. Perpetuando no jovem a marca da violência, impondo a ele o argumento contínuo do crime, impossibilitando que o mesmo possa caminhar por outros eixos que não os impostos pela sociedade punitiva. 
Poucas estratégias são necessárias para diminuir o índice de violência na sociedade, entre elas a mais clássica de todas, a construção da igualdade social. Dentre as estratégias de ressocialização carcerária o Brasil tem bons exemplos, como é o caso do sistema prisional catarinense que tem servido como referência nacional de ressocialização. O preso no Brasil é culpabilizado duas vezes, primeiro quando é aplicada sua sentença decorrente do crime que cometeu e segundo quando ele é encarcerado. Quando ele é encarcerado, além de perder sua liberdade, ele também perde a sua dignidade, já que as obrigações que deveriam ser cumpridas pelo sistema carcerário não são realizadas. Da mesma forma que muitas instituições prisionais de jovens infratores. A violência tanto está fora dos presídios quanto está na sociedade, tornando-se um círculo vicioso que se alimenta do fator pobreza e ausência de complementos de cidadania para o empoderamento coletivo. 
Tanto as políticas públicas de enfrentamento da pobreza e estruturação da construção social e política precisam ser aplicadas nos segmentos sociais quanto no sistema carcerário, já que o mesmo está inserido na malha social que compõe o sistema social, econômico e político de um país. São muitas as medidas socioeducativas que podem ser implantadas dentro de um presídio ou instituição de menores, medidas essas adequadas às condições existentes dentro do contexto de cada cidade, respeitando cada qual seus critérios. 
Reduzir a maioridade penal dentro de um sistema prisional falido e permissivo, que não se propõe a ressocializar o infrator é fortalecer a violência.
Não aplicar mudanças no sistema prisional é legitimar a violência e torná-la institucional.

Referências Bibliográficas


ASSIS, Rafael Damaceno de. Direito Processual Penal: A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro. Ano XI, Brasília: Revista CE, 2007.

BATISTA, Eurico. Maior parte dos presos responde por tráfico e roubo. Disponível em: < http://dp-pa.jusbrasil.com.br/noticias/2141521/depen-traca-perfil-dos-presos-no-brasil>.

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 18 ED. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2014. 

VASCONCELOS, Emerson Diego Santos de; QUEIROZ, Ruth Fabrícia de Figueiroa; CALIXTO, Gerlania Araujo de Medeiros. A precariedade no sistema penitenciário brasileiro: violação dos direitos humanos. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=10363&n_link=revista_artigos_leitura>. 


ENGEPLUS. Modelo catarinense de ressocialização de presos termina o ano como referência nacional. Disponível em: <http://www.engeplus.com.br/noticia/santa-catarina/2019/140055-modelo-catarinense-de-ressocializacao-de-presos-termina-o-ano-como-referencia-nacional>.


Autora: Mônica Tammela, jornalista (DRT 19163), membro do Amopeti (Adolescentes Mobilizados pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil)


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