Fonte: ConJus /2020 |
A soberania individual do cidadão não pode ser negada, ou seja, a
dignidade não pode ser negada ou desrespeitada, independentemente do crime que
ele tenha cometido, e tal soberania se exprime através dos direitos básicos que
cada cidadão possui e que estão amparados por vários mecanismos legais, mas
antes deles, está o direito inalienável de todo cidadão do mundo, a dignidade.
Os dispositivos legais servem para garantir tais direitos, para fazê-los serem
respeitados. E que direitos básicos são esses? É o direito a igualdade, ao
bem-estar, educação, saúde, segurança, justiça, dignidade, direitos explícitos
na Constituição Federal, nos Direitos Humanos, direitos estes que tanto aqui no
Brasil como em várias partes do mundo está longe de ser compreendido em toda a
sua totalidade.
Os direitos sociais do indivíduo
no sistema carcerário não estão isolados do cidadão comum, são direitos
intrínsecos e que definem as regras de uma democracia justa e igualitária. Independentemente
da classe social, raça, etnia, credo, orientação sexual, gênero, os direitos
são os mesmos para todos e o que tem sido apresentado aos presos no Brasil está
muito longe de ser um ideal igualitário.
O debate sobre o sistema
carcerário brasileiro e sua função enquanto ente punitivo e ressocializador
sempre esteve nas esferas de direitos como pauta de discussão e busca de
propostas e meios para a implantação de medidas socioeducativas eficazes. É
mais do que reflexivo, visto que a atividade penal ainda é o elemento que
aumenta mais ainda o abismo social da ressocialização. A desigualdade de
oportunidades existente no país ainda é uma realidade, que entre as
singularidades diversas, representa um dos focos mais recorrentes no mundo da
criminalidade. A ausência de contextos que quebrem esses paradigmas
estigmatizados na corrupção e na vivência no crime como uma competência de
sobrevivência ou de conceito de oportunidade é uma realidade brasileira, que
vem em um crescente quando se presencia a não aplicabilidade da lei para
determinadas classes sociais ou indivíduos, ou mesmo a situação em que se
encontram os presos no sistema penitenciário, e que foram contestados a partir
da prisão dos “colarinhos brancos”.
A posição inferior dos demais
presos constitui hoje um questionamento pormenorizado e uma reflexividade
institucional, que agora tem ganhado força a partir do momento em que o país
está vivendo com a questão da corrupção nas esferas governamentais, mas nem
assim a revisão dos conceitos punitivos e ressocializadores tem sido um fator
de ação e revisão do Código Penal e transformação do método de abordagem dentro
do sistema carcerário, pelo contrário, o aumento da criminalidade produto do
aumento da desigualdade social e falta de oportunidades abriu brechas para que
o sistema carcerário ao invés de ser estatal ou federal passasse a ser
privatizado, aos moldes americanos, sabendo nós que também é um sistema falido,
corrupto e que priva apenas o capital, lucro oriundo dos milhares de presos
enjaulados dentro do sistema carcerário.
Presenciamos no sistema prisional
brasileiro, através dos noticiários ou mesmo em pesquisas que abordam
estatísticas sobre o assunto, que a situação tem piorado e demandado um
sentimento na sociedade, principalmente entre segmentos sociais reacionários
que adotam lemas como “bandido bom é bandido morto” ou mesmo os linchamentos
públicos que vêm ocorrendo em algumas cidades e, o que é pior, com anuência de
parte da população. A violência vem em um crescente e o sistema sustenta caminhos
perniciosos e corruptos, que levam o interno, à prática de mais violência, ou
para sobreviver dentro do sistema carcerário ou mesmo para manter sua vida de
crime, mesmo dentro das penitenciárias. O sistema carcerário prisional
brasileiro não impõe respeito ao cidadão e a descrença no sistema é a brecha
para ações antidemocráticas e de selvageria, em que a Lei que deveria proteger
o cidadão vem servindo para manter o status quo da violência.
Segundo o jornalista Marcelo
Brandão, da Agência Brasil (Governo Federal) realizada em 2014, com relação à
população carcerária do Brasil, o aumento foi de 400% em 20 anos. Conforme
matéria publicada no G1 em abril de 2019, atualmente são 704,4 mil presos nas
penitenciárias e se for contabilizado os presos em regime aberto somam mais de
750 mil. Ainda com relação à matéria o déficit é de quase 289 mil vagas. Em
outra matéria do G1, publicada em setembro de 2019, segundo relatório do
Ministério da Justiça, 32,4% são presos provisórios, aguardando julgamento.
Esses dados são relativos ao ano de 2017.
Temos um problema sério de
superlotação no sistema carcerário brasileiro, além de outros problemas de
igual importância, como: maus-tratos, falta de higiene, violência, doenças como
tuberculose, HIV e poucos profissionais de saúde. Seguindo essa estática de
superlotação, o Brasil ocupa o 3º lugar do mundo em população carcerária, e
grande parte das penas são devido ao tráfico de drogas e roubo, segundo o CNJ
(Centro Nacional de Justiça).
Um fator que tem preocupado muito
é o aumento significativo dos crimes de homicídio simples e qualificado, além
do feminicídio, o que implica em uma racionalização do aumento de violência no
país devido à ausência de políticas públicas, responsabilidade por parte dos
poderes constitucionais vigentes e adulteração das obrigações por parte dos
entes públicos, seja a nível municipal, estadual, distrital ou federal.
Se o sistema carcerário não
ressocializa e se a violência tem aumentado no Brasil devido à desigualdade
social e falta de oportunidades de empoderamento para o cidadão, o que dizer se
a redução da maioridade penal for uma realidade no país?
Estamos passando por uma crise
social complexa em que fatores internos deterioram cada vez mais a malha social
existente, abrindo caminhos para a desestruturação conceitual de unidade,
empatia, comunidade, elementos cruciais para alinhavar a construção do cidadão
enquanto ser político e social, participativo de suas decisões e conquistas.
O jovem no Brasil, principalmente
o jovem de comunidades, o jovem preto, se vê excluído de seu potencial e
dinâmicas organizacionais sociais, de sua construção de dignidade, de sua
apropriação de valores e conhecimento, já que lhe são negados o saber e as
condições para que o seu status não seja mais um dependente do estado ou de
qualquer órgão social de assistência. Mas além do jovem preto, seja ele de
periferia ou de outras comunidades, estão os demais jovens brasileiros, que
perdem a cada dia seus direitos sociais, seus sonhos, suas projeções como
futuros adultos com possibilidades de construção de uma vida digna, para si e
sua família.
Trazer para esse jovem a realidade
da redução da maioridade penal é retirar de sua condição como ser social a
possibilidade de conseguir quebrar o padrão vigente de criminalidade, quanto
todos nós sabemos que as Unidades de Internação de jovens ou a Fundação Casa,
antiga FEBEM, estão longe de serem agentes de ressocialização. Segundo dados
oficiais a maioria dos jovens são presos por roubo, destruição de patrimônio e
tráfico.
Um país que não prioriza a
construção de mentes críticas e criativas. Que não se predispõe a acabar com a
desigualdade social, que não constrói uma educação de qualidade, em que a base do ser humano está
intrinsecamente ligada ao contexto educacional, seja cultural ou social, que
prefere resolver sua incompetência com argumentos reacionários de
encarceramento para diminuir a sua responsabilidade, tende a perpetuar suas
condições de desigualdade e total falta de oportunidades. Perpetuando no jovem
a marca da violência, impondo a ele o argumento contínuo do crime,
impossibilitando que o mesmo possa caminhar por outros eixos que não os
impostos pela sociedade punitiva.
Poucas estratégias são
necessárias para diminuir o índice de violência na sociedade, entre elas a mais
clássica de todas, a construção da igualdade social. Dentre as estratégias de
ressocialização carcerária o Brasil tem bons exemplos, como é o caso do sistema
prisional catarinense que tem servido como referência nacional de
ressocialização. O preso no Brasil é culpabilizado duas vezes, primeiro quando
é aplicada sua sentença decorrente do crime que cometeu e segundo quando ele é
encarcerado. Quando ele é encarcerado, além de perder sua liberdade, ele também
perde a sua dignidade, já que as obrigações que deveriam ser cumpridas pelo
sistema carcerário não são realizadas. Da mesma forma que muitas instituições
prisionais de jovens infratores. A violência tanto está fora dos presídios
quanto está na sociedade, tornando-se um círculo vicioso que se alimenta do
fator pobreza e ausência de complementos de cidadania para o empoderamento
coletivo.
Tanto as políticas públicas
de enfrentamento da pobreza e estruturação da construção social e política
precisam ser aplicadas nos segmentos sociais quanto no sistema carcerário, já
que o mesmo está inserido na malha social que compõe o sistema social,
econômico e político de um país. São muitas as medidas socioeducativas que
podem ser implantadas dentro de um presídio ou instituição de menores, medidas
essas adequadas às condições existentes dentro do contexto de cada cidade,
respeitando cada qual seus critérios.
Reduzir a maioridade penal
dentro de um sistema prisional falido e permissivo, que não se propõe a
ressocializar o infrator é fortalecer a violência.
Não aplicar mudanças no
sistema prisional é legitimar a violência e torná-la institucional.
Referências Bibliográficas
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Ruth Fabrícia de Figueiroa; CALIXTO, Gerlania Araujo de Medeiros. A
precariedade no sistema penitenciário brasileiro: violação dos direitos humanos.
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< https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/04/26/superlotacao-aumenta-e-numero-de-presos-provisorios-volta-a-crescer-no-brasil.ghtml>.
Caderno Política. Jornal eletrônico G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/13/um-a-cada-tres-presos-no-brasil-ainda-aguarda-julgamento-aponta-infopen.ghtml>.
ENGEPLUS. Modelo
catarinense de ressocialização de presos termina o ano como referência nacional.
Disponível em: <http://www.engeplus.com.br/noticia/santa-catarina/2019/140055-modelo-catarinense-de-ressocializacao-de-presos-termina-o-ano-como-referencia-nacional>.Autora: Mônica Tammela, jornalista (DRT 19163), membro do Amopeti (Adolescentes Mobilizados pela Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil)
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