sexta-feira, 3 de maio de 2019

TRABALHO INFANTIL É CRIME?

por Antonio de Oliveira Lima*

São comuns campanhas e trabalhos escolares que usam a frase "trabalho infantil é crime".  Inclusive muitos jornalistas e profissionais do Direito fazem essa afirmação. Mas a verdade é que não existe lei no Brasil dizendo que trabalho infantil é crime. Existem apenas projetos de lei, que ainda não foram aprovados. Atualmente, algumas formas de trabalho infantil constituem crimes, porém isso não nos permite afirmar genericamente que trabalho infantil é crime porque nem todo trabalho infantil é crime e porque, de acordo com a Constituição Federal (art. 5°, inciso XXXIX), não existe crime sem lei anterior que o defina. Como  ainda não existe uma lei dizendo que trabalho infantil é crime, recomendamos que no lugar de "trabalho infantil é crime" escreva "trabalho infantil é ilegal e imoral" 


Por outro lado, não obstante o trabalho infantil não seja considerado crime, genericamente falando, alguns crimes previstos no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca) estão relacionados à exploração do trabalho precoce, principalmente nas chamadas piores formas de trabalho infantil. É importante destacar, porém,  que quem comete o crime não é a criança nem o adolescente que exerce essas atividades e sim o adulto que os explora nas atividades ou nas condições previstas no tipo penal. 

Apontamos, a seguir, cinco situações em que o trabalho infantil é considerado crime ou em que o crime pode ter a criança ou adolescente como vítima. Nesses cinco exemplos, os crimes estão relacionados às piores formas de trabalho infantil. 

a) Maus tratos. Crime praticado pela pessoa expõe a perigo a vida  ou a saúde de criança ou adolescente, sob sua autoridade, guarda ou vigilância, sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado.  Esse crime está previsto no art. 136 do Código Penal. Pena: detenção, de 2 meses a um ano e multa.  Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos (§ 3°). 
b)  Exploração sexual. Submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual (Crime previsto nos artigos 244-A do ECA. Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa). Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas acima referidas (§ 1°). Havendo condenação, o alvará de funcionamento do estabelecimento de ser cassado (§ 2°).  Por outro lado, o art.  218-B do Código Penal prevê pena de 4 a 8 anos para quem “submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone”.
c) Atividades pornográficas. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente (Crime previsto no art. 240 da ECA. Pena - reclusão, de 4  a 8 anos, e multa). Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena (§ 1°­). O art. 3°,
d) Trabalho infantil em condição análogo à de escravo. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Crime previsto no art. 149 do Código Penal. Pena. Reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência). A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido contra criança ou adolescente; (§ 2°, inciso I).  O art. 3° da Convenção 182 da OIT, relaciona, entre as piores formas de trabalho infantil, “todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados” (alínea “c”;
e) venda ou tráfico de drogas e outros ilícitos.  A Convenção 182 da OIT inclui entre as piores formas de trabalho infantil  “a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais como definidos nos tratados internacionais pertinentes”. Os crimes relacionados ao tráfico de drogas estão previstos na Lei 1.343/2006. O art. 40, inciso VI, da referida lei, determina o aumento da pena (de um sexto a dois terços)  nos crimes tipificados em seus artigos 33 a 37 que envolvam ou visem atingir criança ou adolescente. Na maioria dos casos esse crime tem sido praticado contra adultos, porém já foram resgatados crianças e adolescentes em muitas operações do Grupo Móvel Interinstitucional de Combate ao Trabalho Escravo, do Ministério da Economia (era do Ministério do Trabalho, porém este foi extinto em janeiro de 2019, tendo a maioria de suas atribuições sido assumidas pelo Ministério da Economia. 


Projetos de Lei  
Em fevereiro de 2017 o Senado Federal aprovou Projeto de Lei n° 237/2016, de autoria do Senador Paulo Rocha (PT/PA), que tipifica o trabalho infantil, prevendo pena de 2 a 4 anos de prisão, além de multa, para quem contrata criança ou adolescente, antes dos 14 anos de idade.  Caso se trate de atividades ou condições de trabalho relacionadas na lista das piores formas de trabalho infantil (chamada Lista TIP),  a punição pode ser estendida até 8 anos. A pena também se aplica à contratação de adolescentes entre 14 e 17 anos em se tratando de atividades insalubres, perigosas ou noturnas. 


Entretanto, o projeto de lei excepciona os casos de trabalho infantil doméstico realizado pela criança ou adolescente no próprio domicílio. Outra exceção é a participação de crianças e adolescentes em atividades artísticas, práticas desportivas e concursos de beleza, desde não prejudiquem o desenvolvimento físico e emocional da criança e adolescente, e seja autorizadas pelo Poder Judiciário. 



Após ser aprovado no Senado, o projeto de lei foi encaminhado para a Câmara dos Deputados, onde  recebeu outro número (PL  6895/2017) ainda pendente de aprovação. 



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