sexta-feira, 24 de maio de 2019

MANIFESTAÇÃO DO CONANDA SOBRE O EVENTO “ADOÇÃO NA PASSARELA”


O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, instância máxima de formulação, deliberação e controle das políticas públicas para a infância e a adolescência na esfera federal, criado pela Lei nº 8.242 de 1991, é o órgão responsável por tornar efetivos os direitos, princípios e diretrizes contidos na Lei nº 8.069, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e, por isso, vem manifestar-se sobre o  Decreto nº 9.759 de 2019, que extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal.
Inicialmente, relevante considerar que o artigo 1º da Constituição Federal de 1988 estabelece a cidadania como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Ademais, o artigo 227 estabelece constitucionalmente a absoluta prioridade dos direitos de crianças e adolescentes, sujeitos de direito em condição especial de desenvolvimento.
Nessa perspectiva, o art. 17 do ECA dispõe sobre o respeito como direito fundamental da criança e do adolescente, que consiste na integridade física, psíquica e moral, incluída a preservação de sua imagem. Também o art. 100, V,  do Estatuto dispõe sobre preservação de imagem quando trata da prescrição da privacidade como princípio da ação protetiva do poder público. Em seu artigo 18, o ECA também prescreve que é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondoos a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Desta forma, enquanto direito da personalidade, a imagem de crianças e adolescentes não pode ser utilizada, banalizada ou divulgada, muito menos se expostas a situação vexatória ou constrangedora.
O evento “Adoção na Passarela”[1], realizado pela Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA) e pela Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), ocorrido nesta terça-feira, 21 de maio, expôs a imagem de adolescentes com condições legais de serem adotados, em espaço comercial, na tentativa de atender o direito à convivência familiar e comunitária, com o objetivo de encontrar pessoas interessadas em sua adoção.
Muito embora tais iniciativas tenham o objetivo de solucionar problema real, de dificuldade de adoção de crianças mais velhas e adolescentes, grupos de irmãos, crianças e adolescentes negros, ou com deficiência e/ou problemas de saúde, isso não pode ser feito com violação de direitos. Incentivar a adoção, inclusive desconstruindo idealizações sociais e culturais arraigadas nos adultos, e dar visibilidade à questão, é fundamental, mas nunca às custas da violação de direitos das crianças e adolescentes.
É equivocada a interpretação de que a exposição das subjetividades, histórias e imagem de crianças e adolescentes em espaço comercial seria uma forma de integração de convivência social. O protagonismo da criança e do adolescente enquanto sujeito de direitos e a doutrina da proteção integral não são compatíveis com as crianças e adolescentes serem apresentados como “disponíveis” para os adultos “escolherem”; em verdade, isso reforça uma abordagem menorista, já superada, em que tais crianças e adolescentes são vistos como mero objeto. Fica evidente que tal prática prioriza gostos e preferências dos adultos que adotam em detrimento das reais demandas das crianças e adolescentes acolhidos, inclusive aquelas em maior situação de vulnerabilidade, confrontando os princípios da prioridade absoluta.
Ademais, não é admissível que as motivações da adoção sejam centradas no assistencialismo ou salvacionismo, colidente com o instituto da adoção prevista no ordenamento jurídico brasileiro, a qual deve ser assistida tecnicamente e priorizar os interesses da criança e do adolescente.
Por essa razão, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente REPUDIA a exposição dos adolescentes no evento “Adoção na Passarela” e em situações semelhantes, tais como em estádios de futebol, sites eletrônicos, veículos de publicidade, entre outros, por violar o art. 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente e, em última instância, o art. 227 da Constituição Federal que fundamenta o sistema da proteção integral.
Alternativas para incentivar a adoção e enfrentar questões relacionadas a ela devem ser buscadas e debatidas, a partir dos mecanismos previstos pelo ECA, tais como o Cadastro Nacional da Adoção. A família proponente precisa de avaliação técnica e qualificação pelo Sistema, tendo em vista que o superior interesse é da criança e do adolescente adotados, inclusive para evitar a devolução, gerando mais uma experiência potencialmente traumática e desgastante para o seu desenvolvimento.
Por isso, o CONANDA reafirma a importância da Comissão de Convivência Familiar e Comunitária, espaço privilegiado para aprofundar o debate sobre problemas e soluções relativos à adoção. Reitera também a importância dos espaços de participação e controle social no âmbito das políticas públicas de infância e adolescência, fundamentais para que crianças e adolescentes sejam, verdadeiramente, absoluta prioridade da nação, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - Conanda




[1] http://www.olhardireto.com.br/conceito/noticias/exibir.asp?id=17583&noticia=criancas-de-4-a-17-anos-participamdo-evento-adocao-na-passarela-no-pantanal-shopping

Um comentário:

  1. É de absoluta prioridade está atento para esse tipo de publicidade. Não é admissível não se pode tolerar essa exposição de Crianças e Adolescente

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