quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

IMPACTO DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR ADOLESCENTE NA REDUÇÃO DO TRABALHO INFANTIL


 Por Antonio de Oliveira Lima

Nos últimos anos, a luta contra o trabalho infantil  vem se intensificando em todo o Brasil, porém o país ainda está longe de solucionar o problema. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad de 2015  apontou 2,67 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho. Desses, apenas 390 mil encontravam-se no trabalho protegido. No final de novembro deste ano o IBGE divulgou os dados da PNAD Contínua de 2016, indicando suposta redução de 31% do trabalho precoce, em relação à pesquisa anterior. A notícia, que em principio parecia ser motivo de comemoração, passou a ser objetivo de polêmica, haja vista que a efetiva redução ficou abaixo de cinco por cento.

Conforme já esclarecemos neste blog, e  no artigo "Por trás dos números", o principal motivo da aparente redução do trabalho infantil resultou do fato de o IBGE ter excluído do cálculo do trabalho precoce um contingente de 716 mil crianças e adolescentes que trabalhavam na produção do próprio consumo.  Retirou, também, as crianças e adolescentes exploradas sexualmente e as que cuidam de pessoas, como babás e cuidadores de idosos. Vários instituições que atuam no combate ao trabalho infantil questionaram os dados. O Ministério Público do Trabalho pediu esclarecimentos ao IBGE. Estamos aguardando a resposta.


Trabalho sem proteção 

Os dados da PNAD  indicam que 89,64% dos adolescentes que trabalhavam em 2016 tinham idade dentre 14 e 18 anos. Nessa faixa etária o trabalho é permitido na condição de aprendiz. Em se tratando de adolescente entre 16 e 18 anos, admite-se outras formas de trabalho, como empregado, estagiário e autônomo, desde que se observe as regras  de proteção do trabalhador adolescente, relativas aos direitos fundamentais, principalmente no tocante saúde, educação, profissionalização, direitos trabalhistas e previdenciárias. Entretanto, os dados da PNAD indicam  que apenas 29% dos adolescentes de 16 e 17 que trabalham na condição de empregado tem carteira assinada. 

Por outro lado, entre os adolescentes de 14 e 15 anos apenas 10,5% são registrados. Como nessa faixa etária somente é possível o trabalho na condição de aprendiz, que pressupõe carteira assinada, facilmente se conclui que 89,5% dos adolescentes que trabalham nessa faixa etária estão sem proteção legal. 

Proteção ao adolescente trabalhador

Além de proibir o trabalho infantil, a legislação brasileira assegura proteção ao adolescente trabalhador, proibindo a sua exploração em atividades que lhe sejam prejudiciais à saúde e formação intelectual, psíquica, moral e social. Nesse sentido, a Constituição Federal proíbe o trabalho noturno perigoso e insalubre aos menores de  menores de 18 anos (art. 7º, inciso XXXIII, primeira parte). Essa proteção está prevista também na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e no Decreto n° 6.481/2008, da Presidência da República, que relaciona 93 atividades entre consideradas piores formas de trabalho infantil.

Assim, a proibição do trabalho infantil e proteção ao adolescente trabalhador  no Brasil varia de acordo com a faixa etária:

a) até 14 anos - proibição é total
b) entre 14 a 16 anos - proibição geral. Admite-se uma exceção: trabalho na condição de aprendiz;
c) entre 16 e 18 anos – permissão parcial. São proibidas as atividades noturnas, insalubres, perigosas e penosas, nelas incluídas as 93 atividades relacionadas no Decreto n° 6.481/2008 (lista das piores formas de trabalho infantil), haja vista que tais atividades são prejudiciais à formação intelectual, psicológica, social  e/ou moral do adolescente.

Cota de aprendizagem.

As empresas de médio e grande porte são obrigadas  a contratar aprendizes, em percentual correspondente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, do total de empregados cujas funções demandam formação profissional (art. 429 da CLT), porém, muitas empresas ainda não cumprem a cota mínima, e raras são que cumprem a cota máxima. É necessário que o país adote medidas que garantam a efetivação contratação de aprendizes, priotariamente entre os adolescentes que se encontram em situação de trabalho desprotegido.

É importante destacar que o simples cumprimento da cota não implica em redução do trabalho infantil. Quando uma empresa contrata um adolescente de 14 a 18 anos que não estava em situação de trabalho, ou quando contrata um  jovem de 18 a 24 anos, ela cumpre a obrigação legal mas não contribui para a redução do trabalho infantil. Porém, quando contrata como aprendiz um adolescente que se encontrava em situação de trabalho desprotegido, além de cumprir a obrigação legal, a empresa está cumprindo sua responsabilidade social e compromisso com a erradicação do trabalho infantil.

A tabela abaixo faz um paralelo entre o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho, na idade de 5 a 17 anos (PNAD 2015) e o número de adolescentes contratados na forma da lei (RAIS 2014 e CAGED de janeiro a setembro de 2015).




IMPACTO DA PROTEÇÃO DO TRABALHADOR ADOLESCENTE NA REDUÇÃO DO TRABALHO INFANTIL (5 a 17 ANOS)
UNIDADES DA FED. E REGIÕES
CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE TRABALHO (CAST)
PROTEÇÃO AO TRABALHADOR ADOLESCENTE (PTA)
IMPACTO DA PTA NA REDUÇÃO DO TI
(IPTARTI = TAP : CAST)
Total
Ocupados
Índice
Ranking
Adolescente Aprendiz
(14 a 17 anos)
Adolescente Não Aprendiz  (16 e 17)
TAP
TI
(CAST-TAP)
INDICE
do
IPTARTI
RAN
KING
BR
40.763.882
2.671.893
6,55%
-
187.870
202.133
390.003
2.281.890
14,60%

AC
213.191
17.338
8,13%
497
158
655
16.683
3,78%
20º
AL
777.731
30.832
3,96%
23º
1.325
441
1.766
29.066
5,73%
17º
AM
1.019.019
60.200
5,91%
19º
3.611
644
4.255
55.945
7,07%
16º
AP
208.628
6.304
3,02%
26º
478
103
581
5.723
9,22%
13º
BA
3.346.196
240.725
7,19%
15º
4.462
2.669
7.131
233.594
2,96%
22º
CE
1.888.787
73.895
3,91%
24º
2.402
1.318
3.720
70.175
5,03%
18º
DF
581.225
18.497
3,18%
25º
7.089
1.808
8.897
9.600
48,10%
ES
753.211
47.378
6,29%
16º
7.256
2.413
9.669
37.709
20,41%
GO
1.332.390
99.915
7,50%
14º
9.631
8.659
18.290
81.625
18,31%
MA
1.851.229
144.318
7,80%
11º
755
432
1.187
143.131
0,82%
27º
MG
3.877.743
329.539
8,50%
18.544
24.571
43.115
286.424
13,08%
10º
MS
513.872
45.954
8,94%
1.712
4.241
5.953
40.001
12,95%
11º
MT
680.033
58.238
8,56%
3.980
5.611
9.591
48.647
16,47%
PA
2.072.901
168.421
8,12%
10º
2.875
1.691
4.566
163.855
2,71%
24º
PB
839.094
74.335
8,86%
425
523
948
73.387
1,28%
26º
PE
2.002.874
123.299
6,16%
17º
2.805
1.578
4.383
118.916
3,55%
21º
PI
762.122
75.427
9,90%
1.140
275
1.415
74.012
1,88%
25º
PR
2.089.458
157.693
7,55%
13º
14.219
21.149
35.368
122.325
22,43%
RJ
2.867.876
71.262
2,48%
27º
10.829
6.556
17.385
53.877
24,40%
RN
716.342
41.681
5,82%
20º
1.168
628
1.796
39.885
4,31%
19º
RO
401.492
30.535
7,61%
12º
1.526
1.465
2.991
27.544
9,80%
12º
RR
136.986
7.026
5,13%
22º
448
127
575
6.451
8,18%
15º
RS
1.939.473
177.765
9,17%
21.004
21.540
42.544
135.221
23,93%
SC
1.183.763
96.739
8,17%
9.787
23.003
32.790
63.949
33,90%
SE
505.910
47.659
9,42%
1.072
337
1.409
46.250
2,96%
23º
SP
7.856.362
405.640
5,16%
21º
57.845
69.223
127.068
278.572
31,33%
TO
345.974
21.278
6,15%
18º
985
970
1.955
19.323
9,19%
14º
GRANDES REGIÕES
C. Oeste
3.107.520
222.604
7,16%
22.412
20.319
42.731
179.873
19,20%
Nordeste
12.690.285
852.171
6,72%
15.554
8.201
23.755
828.416
2,79%
Norte
4.398.191
311.102
7,07%
10.420
5.158
15.578
295.524
5,01%
Sudeste
15.355.192
853.819
5,56%
94.474
102.763
197.237
656.582
23,10%
Sul
5.212.694
432.197
8,29%
45.010
65.692
110.702
321.495
25,61%

*Tabela elaborada pelo Programa de Educação contra a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Peteca) /MPT/CE.
*No cálculo do trabalho Infantil foi considerado o total de crianças e adolescentes em situação de trabalho em 2015, deduzido o trabalho adolescente protegido (aprendizes de 14 a 17 anos e adolescentes de 16 e 17, com carteira assinada, não aprendizes).
*Para calcular o impacto de redução do trabalho infantil em razão do trabalho protegido dividiu-se o resultado da coluna verde pelo resultado da coluna laranja.
*Fontes: IBGE (PNAD 2015) e RAIS/2014 e CAGED de 01/2015 a 09/2015

     
Panorama do trabalho adolescente (des)protegido

Na tabela acima tomou-se como referência três grupos de dados: a) crianças e adolescentes em situação de trabalho (protegido ou não); b) adolescentes em situação de trabalho protegido; c) crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. No cálculo do trabalho adolescente protegido levou-se em conta a somatória do total de aprendizes entre 14 e 16 anos com o total de adolescentes não aprendizes, com carteira assinada e idade entre 16 e 18 anos.  

Com base nos dados da tabela, percebe-se o que trabalho adolescente protegido no Brasil corresponde a apenas 14,6% do  número de crianças e adolescentes em situação de trabalho. Isso significa que de cada 7 crianças e adolescentes em situação de trabalho, 6 são trabalhadores infantis. 

No Distrito Federal, Santa Catarina e São Paulo o impacto da proteção ao trabalhador adolescente na redução do trabalho infantil foi superior a trinta por cento. Porém, em outras dezesseis unidades da federação esse impacto não chegou a dez por cento.  O menor percentual foi verificado no Estado da Paraíba, onde o número de adolescentes que trabalham na forma da lei correspondente a apenas 1,28% do total de trabalho infantil em geral. Entre as grandes regiões, o maior desafio encontra-se no Nordeste, onde o trabalho adolescente protegido corresponde a apenas 2,79% do trabalho precoce.


Aprendizagem na Administração Pública.

Alguns órgãos federais já instituíram programas de aprendizagem profissional, principalmente no Poder Judiciário e no Ministério Público. Também a Câmara dos Deputados e o Senado Federal contratam aprendizes.  Ocorre que no Poder Executivo Federal as contratações têm ocorrido basicamente nas empresas públicas e sociedades de economia mista: os órgãos da administração direta, de modo geral, ainda não possuem programas de aprendizagem profissional. Em nível estadual, o Paraná um dos poucos entes que tem lei prevendo a contratação de aprendizes. 

Camaçari-BA

Também são poucos os municípios que contratam aprendizes. Um desses municípios é Camarari-BA. Após assinar termo de ajuste de conduta perante o Ministério Público do Trabalho na Bahia, o município aprovou a Lei nº 1281/2013,  instituindo o programa de aprendizagem. Em maio deste ano o MPT constatou que o município estava com apenas 25 aprendizes contratados, tendo recomendado a contratação de outros 100, para cumprir a cota de 5% das funções administrativas de nível médio. Na última terça-feira, o Município lançou edital de seleção para a contratação de mais 120 aprendizes. Informações adicionais podem  obtidas no site do município.

Franca-SP
No município de Franca-SP, o Ministério Público do Trabalho, a Superentidência Regional do Trabalho e a Justiça do Trabalho, dentre outros órgãos e entidades que atuam na prevenção do trabalho infantil e no incentivo à aprendizagem profissional, tem  buscado sensibilizar o Prefeito Gilson de Sousa, para o municipio implemente o Projeto "Primeira Chanche", contratando 80 aprendizes egressos do trabalho infantil e de outras situações de vulnerabilidade e risco social. O prefeito se compromentou a realizar a contratação, porém ainda não implementou o projeto. Vamos acompanhar o andamento desse caso.

Plano Nacional

Experiências como a do Estado do Paraná e a do Município de Camarari-BA precisam ser replicadas. Por outro lado, o Governo Federal precisa encaminhar para o Congresso Nacional projeto de lei regulamentando a contratação de aprendizes pela administração pública em geral.  Em 2008 o Planalto lançou o Plano Nacional e instituiu o Fórum Nacional de Aprendizagem Profissional. A meta era ampliar o número de aprendizes contratados no país,  de 200 mil para 800 mil. Embora tenha havido avanços, a meta não foi alcançada. Dentre as ações previstas no plano estava a regulamentação da aprendizagem na administração pública. O desafio continua. Apesar dos retrocessos sociais recentes, como o teto dos gastos públicos e reforma trabalhistas, e do que se anuncia (reforma da Previdência),  não podemos desistir. Temos que resistir e persistir, pois milhares de adolescentes aguardam medidas efetivas que lhes assegurem o direito à profissionalização.



Desafios


Muitos são os desafios para que a aprendizagem profissional seja uma política pública de efetiva erradicação do trabalho infantil no Brasil. O primeiro é assegurar o cumprimento da cota mínima por parte das empresas que não ainda não a cumprem e incentivar que as empresas que já cumprem a cota mínima a ampliarem o percentual de contratação de aprendizes até alcançar a cota máxima. O segundo é assegurar que a cota de aprendizagem seja cumprida mediante contratação de adolescentes que se encontram em situação de trabalho infantil, salvo nos casos de atividades noturnas, insalubres, perigosas ou que constem da chamada Lista TIP (Piores Formas de Trabalho Infantil).

O terceiro desafio é a aprovação de leis federal, estaduais e municipais  implementando programas de aprendizagem pela União, estados e municípios, e respectivas autarquias e fundações públicas, para que tais entes contratem aprendizes, haja vista que a erradicação do trabalho infantil e proteção ao adolescente trabalhador é dever de todos, e não apenas da iniciativa privada.

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