sexta-feira, 25 de março de 2022

MANIFESTAÇÃO DO CONANDA SOBRE O FILME ‘COMO SE TORNAR O PIOR ALUNO DA ESCOLA’



O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, órgão colegiado de caráter deliberativo e controlador das ações de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, integrante da estrutura básica da Presidência da República, previsto no art. 88 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, criado pela Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991 e regulamentado pelo Decreto nº 9.579, de 22 de novembro de 2018, vem a público para se manifestar acerca do filme ‘Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola’.

 

Considerando as competências do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, conforme disposto em seu Regimento Interno, Resolução 217/2018, no art. 3º, especialmente nos incisos V e XIX, de “promover e apoiar campanhas educativas sobre os direitos da criança e do adolescente, com indicação de medidas a serem adotadas nos casos de atentados ou violação desses direitos”, bem como de “emitir resoluções, notas públicas e recomendações relacionadas a temática dos direitos das crianças e dos adolescentes”.

Considerando os princípios da prioridade da criança e do adolescente e da proteção integral, nos termos do art. 4º, Lei 8.069/90 (ECA), o qual estabelece que “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

Considerando o art. 5º, do referido Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual dispõe que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

Considerando que se tratam esses de preceitos constitucionais, conforme disposto art. 227, CF/88: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 

Considerando a cena do filme longa-metragem ‘Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola’, que suscitou grande debate social neste último mês de março em todo o Brasil, em que personagem adulto propõe a dois adolescentes situação que configura violência sexual e crime previsto na legislação penal brasileira. 

Considerando o art. 240, do ECA, Lei 8069/1990, que tipifica o crime de “produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente” com pena de reclusão de 4 a 8 anos e multa; bem como o art. 241E, o qual dispõe que “para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão ‘cena de sexo explícito ou pornográfica’ compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas [...]”.

Considerando a longa luta deste Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente contra o abuso sexual de crianças e adolescentes, e que em seus 30 anos de atuação, o CONANDA seguiu firme em sua missão de garantir que os direitos de crianças e adolescentes, em qualquer contexto, sejam observados e respeitados, em especial aqueles dispostos na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Considerando ofício recebido por este Conselho por parte do legislativo federal, bem como da Sociedade Brasileira de Pediatria, que solicita especial atenção deste Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, na pessoa de seu Presidente, no sentido de buscar entendimentos institucionais para a urgente revisão dos critérios de classificação indicativa para produtos audiovisuais no País, em que aproveita para  expressar ser  veemente contra censura e a favor da liberdade de expressão, mas que repudia qualquer iniciativa que, mesmo de forma não proposital, incite ou faça apologia de atos de pedofilia.

Considerando, por fim, alerta encaminhado ao CONANDA emitido também pela Sociedade Brasileira de Pediatria, em que reforça ser contra censura e a favor da liberdade de expressão, asseverando, no entanto, que a defesa de princípios sobre os quais está ancorada a democracia não pode e nem deve justificar a divulgação de conteúdo inadequado, que banaliza atos que ofendem crianças e adolescentes, deixando-os em situação de vulnerabilidade.

 

Diante das considerações acima, o CONANDA manifesta-se no seguinte sentido: 

 

1. Que sejam adotadas as medidas cabíveis para reavaliação pelo órgão competente, de forma que o Ministério da Justiça e Segurança Pública, através da Comissão de Classificação Indicativa, proceda com a revisão permanente de obras já classificadas, em atenção à classificação dos filmes em razão do conteúdo e dos temas abordados.

 

2. Sejam amplamente discutidos os instrumentos legais de educação, para formação e compreensão do público que alcança os canais abertos ou não, possibilitando a formação e prevenção de todos os tipos de violência, sobretudo, a violência sexual praticada contra crianças e adolescentes, inclusive com possibilidade de campanha educativa para pais e responsáveis quanto à importância de se observar a classificação indicativa para a proteção da saúde mental e social de adolescentes e crianças. 

 

3. Sejam promovidos debates, encontros e confecção de cartilhas explicativas sobre conteúdos que possam contribuir para a relevância do tema, além de tratar da prevenção e defesa de crianças e adolescentes, pondo-os a salvo desse tipo de violência.

 

4. Seja destacado que existem dados comprovando que a violência sexual contra crianças e adolescentes é uma triste realidade presente na sociedade brasileira. Apenas entre 2017 e 2020, foram registrados 179.277 casos de estupro com vítimas de até 19 anos – uma média de quase 45 mil casos por ano. Inclusive, crianças de até 10 anos representam 62 mil das vítimas nesse período. (Fonte: Unicef e Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

 

5.  Seja observado que esse tema não deve ser tratado em tom de humor e forma de exploração a título de piadas, o que consequentemente não educa ou informa sobre os riscos a serem enfrentados pelas crianças e adolescentes expostos aos riscos, sobretudo os que se apresentam pelos meios de comunicação e tecnológico. 

 

6. Seja destacado que a arte cinematográfica pode trazer contribuição ao retratar o tema, chamando atenção para sua prevenção, propiciando que crianças e adolescentes possam reconhecer situações de abuso e violência sexual de modo a se proteger e denunciar os casos; no entanto, esse papel precisa ser feito com o devido cuidado e responsabilidade, sem incorrer no risco de exposição de crianças e adolescentes a situações que ferem a legislação brasileira quanto aos princípios da prioridade e da proteção integral.

 

7. Seja reforçado junto às Varas Especializadas para que, quando da autorização para a participação artística de crianças e adolescentes em espetáculos públicos e/ou programas congêneres, além de todos os elementos listados no artigo 149, inciso II do ECA, deverá levar em conta, especialmente, os princípios da Lei n. 8069/1990, a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes e a natureza do espetáculo ou programa equivalente. 

 

8.  O Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente é contra qualquer forma de censura, ressaltando que a liberdade de expressão artística deve ser exercida com responsabilidade, em especial evitando a exposição de crianças e adolescentes em situações constrangedoras ou degradantes que as coloquem em posição de vulnerabilidade, em observância ao disposto no artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que lhes garante o direito ao respeito com a preservação da imagem, da identidade e da autonomia, além de outros elementos; 

 

9. Que o Ministério Público Federal avalie eventual ocorrência de crime previsto na legislação penal pertinente.

 

10. O Conanda reitera a importância da elaboração, execução e monitoramento de planos e políticas públicas de prevenção e enfrentamento à violência sexual contra crianças e de adolescentes, por todos os entes federativos.

  

Brasília, 24 de março de 2022.


DIEGO BEZERRA ALVES

Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente


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